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Parâmetros e incentivos do BPC aumentam riscos fiscais

Parâmetros e incentivos do BPC aumentam riscos fiscais


Cecilia Machado, economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV

O segundo relatório de avaliação de receitas e despesas revelou uma tendência um tanto quanto preocupante com relação ao orçamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A projeção de gastos para o ano aumentou em mais R$ 2 bilhões e espera-se que o programa alcance R$ 105 bilhões em 2024.

No intervalo de apenas cinco anos, o orçamento do BPC dobrou em 2019, cerca de R$ 55 bilhões foram alocados a ele, mostrando que o crescimento dessa despesa é um fenômeno relativamente recente.

Pelas regras, o idoso ou a pessoa com deficiência que recebe o benefício no valor de um salário mínimo, hoje em R$ 1.412 deve estar em uma família com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo (R$ 353). Assim, variações no orçamento do BPC refletem tanto mudanças no valor dos benefícios quanto no perfil demográfico e de pobreza da população.

O valor do benefício, que aumentou em torno de 40% entre 2019 e 2024, com ganhos acima da inflação devido à política de valorização do salário mínimo, é certamente uma parte importante da explicação.

Mas outra parte está no aumento do número de benefícios concedidos aos idosos e às pessoas com deficiência. Entre 2019 e 2024, o número de beneficiários passou de 4,6 milhões para 5,7 milhões.

Tal qual estabelecido, o programa mecanicamente se expande à medida que a população envelhece ou que mais pessoas passam a ser diagnosticadas com algum tipo de deficiência. De acordo com o último Censo, houve um crescimento de quase 60% no número de pessoas com 65 anos ou mais de idade, que passou de 14 milhões para 22 milhões entre 2010 e 2022.

Já em relação às pessoas com deficiência, não há indícios de que tenha havido um crescimento dessa população entre 2019 e 2024. Mesmo assim, o número de pessoas com deficiência no BPC também aumentou, passando de 2,5 milhões para 3,1 milhões no período.

As mudanças nos valores dos benefícios e na demografia da população brasileira são reais e trazem consigo desafios concretos para o Orçamento. Enquanto o valor do benefício estiver vinculado a um salário mínimo que se valoriza, haverá crescimento real do orçamento do BPC frente aos demais programas assistenciais, como o Bolsa Família, sem nenhuma consideração de custo-efetividade na alocação desses recursos.

Além disso, à medida que a estrutura demográfica da população muda, mais recursos passam a ser direcionados para famílias de idosos e de pessoas pobres com deficiência vis-à-vis a famílias com crianças pobres, como as que estão no Bolsa Família. Isso amplia uma importante distorção que existe entre esses dois programas assistenciais: a de dar pesos diferentes a uma mesma situação de pobreza.

Nas regras atuais, espera-se que a diferença entre os valores dos benefícios do Bolsa Família e do BPC se amplie ainda mais ao longo do tempo, tendo como ponto de partida um valor de transferência que já é cerca de duas vezes no BPC em comparação ao Bolsa Família (o benefício médio do Bolsa Família é de R$ 680).

Não menos importantes são as mudanças que as regras assistenciais geram na forma como as famílias reportam suas informações no Cadastro Único, já que a variável de elegibilidade (a renda per capita da família) é autorreportada. Assim como no Bolsa Família, há incentivos para registros de famílias unipessoais também no BPC.

Dados do próprio Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome indicam aumento expressivo no número de família unipessoais, que chegou a alcançar 15 milhões em 2023, mais que dobro da quantidade de famílias unipessoais que estavam nesse registro administrativo em 2019.

As regras e os incentivos presentes no atual desenho ampliam o espaço do BPC no orçamento, impedem uma avaliação integrada dos programas sociais e constituem um importante risco para o equilíbrio das contas públicas.

É preciso repensar a priorização dada ao BPC dentro da gama de programas assistenciais existentes.

 



Fonte: Jornal do Comércio

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