“Um pouco de cerveja é um prato para um rei”. A frase do célebre dramaturgo William Shakespeare em Um Conto de Inverno, de 1611, e as diversas referências literárias à “gelada” – muito tempo depois dos versículos bíblicos que já citavam o líquido, chamado, à época, de “bebida forte” ou “Shekar” – são sinais que demonstram como a arte cervejeira atravessa a história da humanidade e encanta apreciadores e produtores há séculos. Hoje, esses ensinamentos milenares, passados de pai para filho, viraram negócio nas mãos do engenheiro de produção e empresário Matheus Homrich. Prestes a inaugurar sua nova fábrica, com bar in loco para degustação, ele resgatou o início da Levedura, que surgiu junto ao pai como hobbie e depois virou um bar, em 2018, no bairro boêmio da Cidade Baixa, em Porto Alegre. “Analisando o mercado, o mais viável era abrir o meu próprio bar, ter meu próprio ponto de venda”, afirmou ele.
Com faturamento entre R$ 70 mil e R$ 90 mil mensalmente, a cervejaria produz oito tipos de cervejas que são disponibilizadas no bar e tem receitas para mais de 30 tipos. Homrich destaca que, entre os momentos marcantes na sua trajetória empreendedora, está o dia em que deixou de produzir a bebida em fábricas terceirizadas e passou a ter um espaço único para desenvolver a cerveja. “Teve muita batalha, foram anos de construção”, ponderou. Segundo ele, o nome Levedura foi uma escolha vinculada à etapa de produção da cerveja. “Levedura é a alma da cerveja. A gente brinca que o cervejeiro faz o mosto e a levedura que faz a cerveja”, contou.
Empresas & Negócios – Como surgiu a ideia do Levedura bar?
Matheus Homrich – O nosso bar surgiu, na verdade, antes da fábrica. Quando eu estava na graduação, cursando Engenharia de Produção, meu pai começou a fazer cerveja em casa, como um hobbie. E eu gostei muito do processo. Começamos a fazer juntos em casa, em 2015. Eu fiz o meu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), inclusive, sobre a produção de cerveja. Analisando o mercado na época, o mais viável para o negócio que estava iniciando era abrir o meu próprio bar, ter meu próprio ponto de venda. Então, enquanto tocava a ideia do bar, comecei a produzir a cerveja em outras fábricas, em um modelo ‘cigano’. Só depois é que abrimos a fábrica.
E&N – Que tipo de cerveja vocês produzem?
Homrich – Hoje, produzimos 8 estilos de cerveja, mas temos receitas para 30 estilos. Ou seja, a gente já produziu 30 tipos da bebida em algum momento e temos as receitas de todos elas.
E&N – Como foi aprender essa arte da cerveja com o seu pai?
Homrich- O processo com meu pai foi bem criterioso, ele trabalhou muito em laboratório, então era bem rígido, aprendi muito. Depois, fiz em Blumenau a minha pós-graduação em Tecnologia Cervejeira, onde pude visualizar a teoria do que fazíamos e complementei o que eu tinha aprendido com meu pai.
E&N – Por que o bar se chama Levedura?
Homrich- A gente estava pensando no nome do bar, meu pai e eu. A levedura é a alma da boa cerveja, é o agente de transformação, agente bioquímico que é muito importante. Sem levedura, não se faz cerveja. A gente brinca que o cervejeiro faz o mosto, mas quem faz de fato a cerveja é a levedura.
E&N – Desde o nascimento da Levedura até hoje, o que mudou?
Homrich – Muitas coisas mudaram desde o início do produto, feito em casa, até hoje, especialmente no que diz respeito ao aperfeiçoamento. O bar foi ótimo para que as pessoas pudessem experimentar e opinar sobre as cervejas. Sempre pedimos para que os clientes avaliassem o sabor e a qualidade das bebidas. Eles puderam experimentar desde o nosso início e contribuíram para que melhorássemos as receitas.
E&N – Qual foi o momento mais marcante desse processo?
Homrich – Todo o processo foi bem marcante, a transição de cervejaria cigana para cervejaria própria foi de bastante batalha, foram dois anos de construção. Eu destacaria o momento em que viramos fábrica, foi o momento mais especial, quando começamos a produzir no nosso espaço, com um método rígido e só nosso.
E&N – Qual o faturamento atual da Levedura?
Homrich – Temos duas empresas: a fábrica e o bar. Com a fábrica, a gente fatura aproximadamente R$ 20 mil por mês. Já com o bar, a gente fatura entre R$ 50 e R$ 70 mil por mês. Depende um pouco da época do ano.
E&N – Quais são as novidades da marca de vocês para os próximos meses?
Homrich – Estamos nos mudando para um local maior. A nova unidade ficará entre os bairros Menino Deus e Azenha. Os clientes vão poder experimentar a cerveja direto da fonte, vai ser tipo um bar dentro da fábrica. A nossa ideia é abrir no final de semana. Além disso, o espaço vai comportar mais de 100 pessoas e vamos disponibilizar para eventos. Está faltando apenas alguns detalhes, mas está quase tudo pronto. Estamos empolgados.
E&N – O que produzir uma cerveja como a Levedura significa para você?
Homrich – É o que eu mais gosto de fazer. Eu amo a parte de produção da cerveja. Amo ter a experiência de bar. É muito gratificante, a pessoa toma a bebida, qualifica, e quando ela sorri e aprova, nós ficamos realizados. Nos dedicamos muito para chegar nesse nível de qualidade. Não é fácil. Tem muitos obstáculos, o mercado é difícil, várias cervejarias estão fechando as portas.
E&N – Como analisa o setor cervejeiro em Porto Alegre atualmente?
Homrich – O setor está muito concorrido, muito em função da pandemia ainda. Muitas cervejarias estão fechando porque tiveram financiamento e, agora, com o período de carência expirado, o pessoal não está conseguindo pagar as contas. Acho que o setor precisa de mais incentivos do governo, especialmente na área fiscal. A tributação comparada a outros segmentos é mais baixa, mas ainda assim pesa no bolso dos cervejeiros. O imposto é alto, até por isso queremos transformar a Levedura em um único negócio. Queremos que a fábrica e o bar sejam no mesmo lugar. Quero vender a maior parte possível para o consumidor final, vender por copo e não por barril. Assim, o imposto é menor.
E&N – Vimos um ‘boom de cervejarias na Capital’ nos últimos anos, especialmente no 4º Distrito. Porto Alegre se consolida como um roteiro no Brasil? O que nos diferencia de outras capitais quando o assunto é tomar aquela geladinha?
Homrich – Esse boom eu vejo que foi há alguns anos atrás. Atualmente, muitas cervejarias mudaram para o modelo cigano e começaram a produzir menos estilos. Isso facilita muito a gestão, porque é uma terceirizada que cuida da fabricação, mas tu acompanhas todo o processo. Porto Alegre já foi a capital com mais cervejarias no Brasil, agora perdeu posição para São Paulo, mas, considerando o número de moradores, ainda é uma quantidade bem alta. Acredito que Porto Alegre se diferencia por ser pioneira, possui know-how. Os nossos cervejeiros têm tempo de fábrica, o pessoal tem experiência. Acho que isso faz de Porto Alegre uma referência para ser uma capital cervejeira, junto com Blumenau, em Santa Catarina. A Capital gaúcha tem uma história antiga com a cervejaria.