A arquitetura sempre desempenhou o papel primordial de prover abrigo e proteção para os seres humanos. Na pré-história, buscamos refúgio em cavernas naturais, aproveitando-se da estrutura rochosa para proteção contra os elementos naturais e os predadores. Com o tempo, os abrigos começaram a ser feitos de materiais encontrados na natureza, como galhos, folhas e peles de animais, evoluindo para casas mais permanentes e complexas, com paredes feitas de pedra, tijolos ou madeira, telhados para proteger contra a chuva e o sol, e portas para controlar o acesso. Desenvolvendo habilidades de construção mais avançadas, utilizamos materiais como madeira, pedra, argila e a arquitetura evoluiu significativamente, com a construção de templos, palácios, casas e fortificações que proporcionaram não apenas abrigo, mas também simbolizavam poder, status e identidade cultural. Mesmo assim, basicamente, nossas construções permanecem sendo uma envoltória que nos protegem das intempéries.
Das pedras maciças dos templos gregos aos arranha céus envidraçados, flertamos com uma gama de possibilidades e espessuras para separarmos o que consideramos interno e externo. Este artigo busca explorar essa diversidade de espessuras na arquitetura, desde materiais simples até técnicas construtivas complexas, destacando como essa variação não só proporciona proteção, mas também influencia nossa percepção e interação com o ambiente construído.
Na arquitetura contemporânea essa contradição é também latente. Um exemplo é a obra de Lacaton e Vassal, como no projeto da Escola de Arquitetura de Nantes, na França. Ali, os arquitetos propuseram uma intervenção arquitetônica ousada e inovadora ao adicionar uma fachada leve e fina à estrutura do edifício da escola, optando por preservar o existente e adicionar uma nova e fina camada externa, criando um espaço adicional e renovando a aparência do edifício. A nova fachada é composta por uma estrutura de aço leve e uma superfície de policarbonato translúcido, o que proporciona uma entrada generosa de luz natural para o interior do edifício, criando espaços luminosos e arejados que promovem um ambiente propício ao aprendizado.
Dicotomicamente em outra direção, o Innovation Center UC – Anacleto Angelini, projetado por Alejandro Aravena e ELEMENTAL, é um exemplo de como a opacidade e o peso podem ser utilizados de forma consciente e estratégica na arquitetura contemporânea. O projeto enfatiza a solidez e a presença física do edifício, conferindo-lhe uma sensação de peso e permanência. Sua fachada em concreto, predominantemente opaca e com poucas aberturas, cria uma presença sólida e imponente no contexto urbano. Em primeiro lugar, ajuda a proteger o interior do edifício da incidência direta da luz solar intensa, contribuindo para o controle térmico e reduzindo a necessidade de sistemas de climatização ativos. Além disso, a opacidade cria uma atmosfera de privacidade e contemplação dentro do edifício, permitindo que os ocupantes se concentrem em suas atividades sem distrações externas. As aberturas são cuidadosamente pensadas e o edifício se volta para si na maior parte do tempo.
Véus finos
Mas se dermos um passo atrás, surge uma intrigante questão: o que verdadeiramente constitui um espaço? Seriam 4 paredes? Ou pode ser algo menos tangível, como uma sombra, uma nuvem ou mesmo gotas? Na Expo Suíça de 2002, o “Blur Building” projetado por Diller Scofidio + Renfro ganhou destaque internacional. Com uma fina névoa feito por 35.000 bicos de alta pressão, criou-se uma nuvem artificial que mudava conforme o vento, alterando os percursos dos turistas. Estes podiam até “beber” o prédio que, após o pôr do sol, se transformava em uma nuvem luminosa sobre o Lago Neuchâtel.
E quando consideramos as barreiras físicas, até que ponto podemos reduzi-las? O Music Pavilion, projetado por Lorenz Bachmann + Atelier Void, por exemplo, faz o uso de cortinas e vidros para maximizar a integração da construção com o exuberante jardim circundante. Na House in Yanakacho, todo o pavimento superior é envolto por uma telha trapezoidal translúcida, que funde de forma literal a divisão entre o espaço interior e exterior. Este conceito é igualmente exemplificado no Greenhouse for the Coexistence of Plants and Humans, projetado por salazarsequeromedina, onde o revestimento plástico desafia as noções tradicionais de solidez e materialidade, transformando-se em uma estrutura habitacional inovadora.
O Rolex Learning Center, do SANAA, é um exemplo impressionante de como a relação entre o interior e o exterior pode ser redefinida. Com formas fluidas, espaços abertos e fachadas envidraçadas, o centro desafia as noções convencionais de limites arquitetônicos. Os amplos espaços internos se fundem harmoniosamente com os arredores, proporcionando uma sensação de continuidade e conexão com o ambiente circundante. As extensas áreas envidraçadas permitem que a luz natural inunda o interior, criando uma atmosfera arejada e convidativa. Além disso, as diversas áreas de convivência ao ar livre, como terraços e pátios, incentivam a interação entre os usuários e a natureza, promovendo um ambiente propício para a aprendizagem e a colaboração.
Já a fachada do projeto La Samaritaine, concebida pela colaboração entre SANAA, LAGNEAU Architectes, Francois Brugel Architectes Associes e SRA Architectes, destaca-se pela sua característica distintiva: o vidro ondulado. Este elemento arquitetônico único confere ao edifício uma aparência dinâmica e cativante, enquanto adiciona uma camada de complexidade visual à sua estrutura. O vidro ondulado não só proporciona uma estética deslumbrante, mas também desafia as convenções tradicionais de design, criando uma interação entre luz, sombra e reflexos. Com uma abordagem semelhante, a Casa da Música no Porto, do OMA, utiliza o vidro ondulado para “confundir” a relação entre uma arquitetura contemporânea e futurista com o patrimônio histórico preservado no entorno. Isso tudo através de meros milímetros de vidro.
Barreiras espessas
E se passarmos agora para o outro extremo: até que ponto faz sentido aumentar a largura da envolvente de um edifício? Onde está o limite entre um envelope eficaz e uma largura suficiente para se tornar funcional em si – ou mesmo habitável?
Os envelopes superlargos surgiram exclusivamente para controlar as intempéries, tanto do frio quanto do calor excessivos. As paredes dos iglus ancestrais nas áreas polares, por exemplo, têm mais de 20 cm de espessura, de modo que as bolsas de ar dos blocos de neve compactados permitem que se tornem isolantes. No ksar de Marrocos – e mesmo em muitos projetos marroquinos contemporâneos localizados em zonas climáticas desérticas quentes – a largura das paredes de taipa ou de pedra, em alguns casos, varia entre 40 e 60 cm, mas algumas delas podem atingir até 1 metro de espessura para gerar microclimas habitáveis no forte calor do deserto. Se no caso dos véus finos a envolvente é reduzida à sua expressão mínima, integrando espaços com grande fluidez; barreiras amplas geram um limiar pesado e denso, onde espaços separados são deliberadamente isolados e diferenciados. Aqui, as aberturas são controladas e geralmente mínimas, para permitir a entrada de uma certa porcentagem de luz natural, evitando a infiltração direta do vento gelado ou de uma onda de calor.
Em notáveis casos modernos, os arquitetos não só se beneficiam das propriedades das paredes espessas em diferentes materiais para valorizar os ambientes interiores, mas também são utilizadas como ferramenta espacial, estética e até simbólica. No Museu de Cultura e História de Qingxi, projetado pelos arquitetos da UAD na cidade de Sangzhou, na China, paredes grossas permitem que o edifício seja ancorado ao território. Utilizando como referência os muros de contenção existentes nos terraços, pedras e seixos locais foram selecionados para construir uma série de muros que seguem suas elevações naturais. Com mais de 40 cm em algumas áreas, os projetistas aproveitaram as diferentes profundidades para destacar as entradas ou criar mobiliário no local, como um grande mapa embutido que orienta os visitantes ao museu.
Na Plumula Workshop House, no México, os arquitetos do Espacio 18 Arquitectura preservam e reforçam uma série de paredes de adobe pré-existentes para manter o interior quente no inverno e fresco durante os meses quentes. Suas paredes largas expõem honestamente sua materialidade para tornar palpável seu sistema construtivo, ao mesmo tempo em que realçam a presença imponente e respeitosa da casa em seu contexto. Também no México, a equipe CLACLÁ Taller de Arquitectura replicou o processo de moldagem de um pote de barro para criar as paredes escultóricas da Galeria Dos Hijas, compostas de palha, barro e granito (COB). Sua espessura, que varia de 80 cm na base a 50 cm no topo, evita a necessidade de estrutura secundária e permite que seja utilizado como espaço de descanso em forma de janelas em arco.
Com climas que podem variar entre -2°C e 30°C, as casas na cidade de Mendrisio, no sul da Suíça, devem estar preparadas tanto para períodos frios como quentes. Celoria Architects’ House C beneficia da sua envolvente espessa para manter um clima interior adequado durante todo o ano. Suas paredes de concreto são moldadas plasticamente para zonear e ativar os programas espaciais, abrigando uma escada em espiral, uma lareira e uma claraboia central que aparece inesperadamente entre suas enormes dobras.
Este artigo é parte dos Temas do ArchDaily: A pele do edifício. Mensalmente, exploramos um tema em profundidade através de artigos, entrevistas, notícias e projetos de arquitetura. Convidamos você a conhecer mais sobre os temas do ArchDaily. E, como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossas leitoras e leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.