O anúncio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a criação de um grupo de trabalho para discutir a regulação das redes sociais fere de morte o PL das Fake News. Há quase quatro anos entre idas e vindas no Congresso, o tema voltou à baila com a campanha do bilionário Elon Musk, dono do X, contra o Supremo Tribunal Federal.
Segundo Arthur Lira, “está fadado a ir a lugar nenhum” o texto apresentado pelo relator, Orlando Silva (PcdoB-SP). “Não tivemos tranquilidade do apoio parlamentar para votar com a maioria”, alega o chefe da Câmara. A criação de um GT com duração entre 30 a 40 dias teria, supostamente, o objetivo de gerar um texto “menos controverso”. A avaliação, convenientemente, ignora a possibilidade de retomar o debate sobre o relatório de Silva, promover ajustes pontuais e, então, levá-lo ao plenário.
Apelar a um grupo de trabalho também livra Lira de enfrentar os deputados bolsonaristas, unidos contra o projeto sob a alegação de “censura”. As eleições municipais de outubro e as articulações para a sucessão na presidência da Câmara reforçam a conveniência de empurrar com a barriga a tramitação do PL.
A oposição bolsonarista briga pelo afrouxamento dos deveres impostos às plataformas sobre conteúdos publicados por seus usuários, em nome de uma suposta “liberdade de expressão”.
Um dia antes de Lira enterrar o PL, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse considerar “inevitável” a aprovação de alguma regulação para as plataformas digitais. A Casa Alta já avalizou o projeto ora paralisado na Câmara, embora em uma versão distinta.
Na prática, a chance de o Congresso aprovar qualquer lei que limite as redes sociais antes das eleições municipais é praticamente zero. Ao criar um grupo de trabalho, Lira consegue adiar a discussão sem precisar admitir que, politicamente, não há vontade de levar essa questão adiante.
Com isso, deve recair sobre o STF a tarefa de se debruçar sobre o assunto, embora em outros termos. O ministro Dias Toffoli já avisou que liberará até o fim de junho uma ação sob sua relatoria que questiona parte do Marco Civil da Internet.
O processo trata do artigo 19 do Marco, a dispor sobre as circunstâncias em que um provedor de internet pode ser responsabilizado por postagens de internautas.
Diz a norma:
“Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”
O Supremo tem sido instado a reconhecer a possibilidade de punir as plataformas por permitirem a circulação de posts com teor golpista ou alusão a violência contra determinados grupos sociais, independentemente de decisão judicial.
Assim que Toffoli liberar os autos, caberá ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso, agendar a data do julgamento. Até lá a Câmara não deve avançar na elaboração e na aprovação de um projeto próprio de regulação – e, ainda que o faça, o Senado terá de analisar toda a proposta do zero. Tudo isso tende a tornar a Corte (mais uma vez) alvo de uma intensa campanha da ultradireita.
O decano Gilmar Mendes adiantou, no início da sessão plenária desta quarta, o tom do julgamento sobre o artigo 19: “Não é preciso muito esforço para concluir que o Marco Civil da Internet atualmente em vigor – com o qual a Corte tem um encontro marcado em breve – tem se revelado muitas vezes inapropriado em impedir abusos de toda sorte”.