Levantamentos mais detalhados sobre os impactos na infraestrutura e na economia gaúcha após a catástrofe climática deverão ser concluídos em meados de junho. O Estado está contando com as consultorias Alvarez & Marsal (na área de infraestrutura) e da McKinsey (setor econômico) para realizar esse trabalho. Conforme o
titular da recém-criada Secretaria de Reconstrução do Rio Grande do Sul, Pedro Capeluppi, com esse estudo será possível traçar as prioridades para acelerar a recuperação estadual.
Jornal do Comércio (JC) – Como será o planejamento quanto à reconstrução do Rio Grande do Sul?
Pedro Capeluppi – Vamos estar olhando ações de curto, médio e longo prazo. A reconstrução já começou, desde do primeiro dia, as ações emergenciais vêm sendo feitas desde o começo, com recursos da Defesa Civil, do Orçamento do Estado, que já estavam alocados para essas necessidades. O trabalho que estamos fazendo neste momento é um diagnóstico, que teremos em meados de junho, para saber o que vamos ter que reconstruir, que tipo de infraestrutura que a gente perdeu e a maneira que a gente vai definir a atuação para reconstruir. E claro a gente vai ter uma análise econômica do que aconteceu. Houve e vai haver um impacto econômico muito forte nas cadeias produtivas.
JC – O governador Eduardo Leite calculou uma perda de R$ 11 bilhões na arrecadação do Estado somente neste ano, correto?
Capeluppi – Isso na arrecadação. Imagina o que significa para as empresas e para os empregos? Claro que existem ações emergenciais que estamos solicitando ao governo federal, como reeditar o que foi feito na pandemia para a manutenção dos empregos, o programa BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda), para aliviar o impacto neste momento. Porém, o fato é que o efeito que essa catástrofe tem sobre a economia precisa ser quantificado, a gente tem que analisar e ver o que precisa ser refeito de infraestrutura, que às vezes não foi perdida efetivamente, mas que a gente vai precisar robustecer para que se tenha as atividades no Estado acontecendo e se expandindo.
JC – Essa avaliação dos reflexos econômicos está sendo realizada ao mesmo tempo da análise dos impactos na área de infraestrutura?
Capeluppi – São paralelas, porque são informações e lógicas diferentes, mas os estudos estão sendo feitos ao mesmo tempo para termos a definição de que projetos vamos ter que priorizar para chegar ao objetivo que é o da reconstrução. É uma reconstrução diferente para trazer infraestruturas adaptadas e resilientes a esse tipo de problema que está claro que a gente vai enfrentar cada vez com mais frequência.
JC – Quais seriam as características dessas estruturas mais adaptadas?
Capeluppi – Vou dar o exemplo da (rodovia) 287 que sofreu um impacto muito grande no trecho entre a ponte do Taquari e Venâncio Aires, foram quatro a cinco quilômetros que a pista foi desfeita. Ela não pode ser reconstruída da mesma maneira. Aquela rodovia precisa ser repensada para poder suportar esse tipo de impacto. Outras coisas vão ter que ser repensadas. Pontes que serão refeitas vão ter que levar em consideração a cota de inundação de agora. Mas, estamos falando também de um impacto urbano muito grande. Tivemos cidades que foram severamente atingidas mais de uma vez. Como vamos enfrentar esse tipo de desafio? De maneiras diferentes. Mas, para isso vamos precisar ter o apoio da ciência, buscar especialistas para achar as soluções.
JC – É possível que bairros que foram atingidos nessas inundações tenham que mudar de local?
Capeluppi – É possível sim. Não quero afirmar isso porque não sou um especialista nesse aspecto. A gente vai chamar especialistas para isso. Mas, me parece que sim e para isso temos que estudar e buscar as soluções nesse sentido. Isso também vai estar mapeado para que a gente possa fazer uma carteira de projetos para enfrentar esse desafio. Tem também os sistemas de proteção contra as cheias na Região Metropolitana. Vamos ter que trazer os especialistas para avaliar. Em cidades menores você consegue fazer essa realocação de pessoas, em municípios maiores acaba sendo mais difícil, por isso a importância dos sistemas de contenção de cheias e outros mecanismos para nos deixar mais adaptados a essa realidade.
JC – Falando em sistemas de contenção, como fica a questão da concessão do Cais Mauá, que previa a retirada do muro da Avenida Mauá, em Porto Alegre?
Capeluppi – O sistema de contenção que foi modelado para o cais teve um parecer do Instituto de Pesquisas Hidráulica da Ufrgs e estabelecia um nível de proteção que levava em consideração os modelos que estavam embasados na cota (de inundação) de 1941, que era a máxima que tinha acontecido. É claro que a gente precisa reavaliar para saber qual o nível de proteção que precisa ser feito agora.
JC – De onde sairão os recursos para todas as demandas de reconstrução?
Capeluppi – Vamos ter que usar todas as fontes de recursos disponíveis. Faz parte da Secretaria da Reconstrução também fazer o mapeamento desses recursos. Por isso que esse diagnóstico inicial é importante, tanto do ponto de vista da infraestrutura que perdemos agora, quanto a que teremos que reconstruir para fins de adaptação e resiliência e também dos impactos econômicos. Temos uma quantidade de recursos públicos que tende a ser maior do que tivemos no passado, porque existe um intuito do governo federal em ajudar, já temos o acordo da suspensão da dívida. Tudo isso vai nos trazer recursos públicos, doados por outros estados, transferidos via emendas pelos deputados e senadores. Mas, teremos um limite de recursos públicos e precisaremos buscar outras alternativas.
JC – Que opções seriam essas?
Capeluppi – Podem ser financiamentos de bancos multilaterais que precisam estar encaixados na nossa realidade fiscal. Podemos buscar recursos de fundos de reconstrução, a fundo perdido. Claro que teremos recursos que virão de parceiros privados. Por isso teremos uma subsecretaria que é a de Parcerias e Concessões (antiga pasta da qual Capeluppi era o mandatário). Esses projetos, que já eram importantes antes, passam a ser mais importantes ainda. Então, eles também estão nessa carteira e podem contribuir muito. Os recursos serão de todas as fontes, muitos públicos e também privados.
JC – Como funcionará o Fundo do Plano Rio Grande (Funrigs), que teve sua lei sancionada pelo governador na sexta-feira (24)?
Capeluppi – Ele é um fundo que vai receber os recursos que seriam pagos pelo Estado em relação à dívida com a União (montante estimado em cerca de R$ 12 bilhões), mas também pode receber uma série de outros recursos. Pode receber de emendas parlamentares, de doações, eventuais financiamentos com bancos multilaterais precisam passar pelo fundo para serem executados aqui. Recursos privados podem ser colocados lá (Funrigs), mas não necessariamente precisariam. Tem alguns projetos que vão ter que ser financiados pura e simplesmente por recursos públicos, é natural que isso aconteça. Mas, onde a gente conseguir fazer parcerias com a iniciativa privada, tem que fazer também.
JC – Essas parcerias com a iniciativa privada abrangem hospitais e escolas?
Capeluppi – Vale para hospitais e escolas, que é o projeto que a gente já está tocando, rodovias, enfim, tudo isso. Se a gente já tinha uma grande necessidade de melhorar a nossa infraestrutura há um mês, isso se intensificou ainda mais agora.
JC – O que o governo do Estado pode fazer em relação ao aeroporto Salgado Filho, que sofreu um enorme dano e não tem data definida para ser reaberto?
Capeluppi – É uma concessão federal, mas o governador Eduardo Leite tem cobrado do governo federal que todas as medidas necessárias sejam tomadas em relação à Fraport (concessionária do complexo) para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Eventos como esse não podem ser encarados como risco da concessionária. São eventos de força maior e que, nesse caso, é responsabilidade do poder público fazer o reequilíbrio do contrato. O aeroporto Salgado Filho é essencial para a economia do Rio Grande do Sul.