Apesar dos diversos transtornos causados pela crise climática no Rio Grande do Sul, o novo presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador Voltaire de Lima Moraes, garante que as eleições ocorrerão normalmente em todo o Estado. Segundo ele, as urnas que foram danificadas pelas enchentes ou mesmo perdidas não serão problema, visto o apoio do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o fornecimento de urnas por parte do TRE do Distrito Federal, que não realiza pleito neste 2024.
O magistrado reconhece dificuldade em realizar o processo nos municípios que foram mais atingidos, principalmente no Vale do Taquari, mas assegura que o tribunal está focado para superar essas adversidades, visitando os locais afetados e realizando audiências públicas para garantir o direito do voto aos eleitores das 497 cidades gaúchas.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Moraes também fala sobre a criação do comitê de combate à fraude da cota de gênero. A política reserva o mínimo de 30% das candidaturas de cada partido para homens ou mulheres.
Jornal do Comércio – O TRE garante a realização das eleições no RS sem adiamento?
Voltaire de Lima Moraes – Temos datas a serem cumpridas. Pela lei das eleições, elas devem ser realizadas em primeiro turno no primeiro domingo de outubro e, quando há necessidade de segundo turno, no último domingo de outubro. A própria Constituição Federal estabelece que as eleições são realizadas em todo o território nacional no mesmo tempo, de uma forma uniforme. Qualquer alteração depende de uma emenda constitucional. Não estamos trabalhando com essa hipótese (de adiamento), porque, pelas nossas avaliações, em que pesem as dificuldades, estamos superando cada uma delas. Eu tenho realizado reuniões com os juízes eleitorais e agora estamos fazendo uma nova rodada de interlocução com as zonas eleitorais, para sentir o problema de cada uma delas, principalmente aquelas que foram mais afetadas por essa enchente. Todas as áreas do tribunal estão vivamente empenhadas para que possamos levar a bom termo a realização das eleições. Evidentemente vamos ter muito mais trabalho do que em outras eleições. Mas até agora estamos muito animados e com as nossas forças todas reunidas para superar os obstáculos e levar em frente de uma forma muito segura, muito transparente e que prevaleça sempre a vontade do eleitor.
JC – Como está atualmente a situação das urnas eletrônicas?
Moraes – Ainda estamos avaliando, mas quero salientar: esse problema das urnas não nos preocupa. Estive recentemente em Brasília, para a posse da ministra Cármen Lúcia (no TSE), e lá, em uma reunião dos presidentes eleitorais do Brasil, todos além de manifestarem solidariedade se colocaram à disposição para nos ajudar, a começar pela ministra e pelo presidente do TRE do Distrito Federal, onde não há eleições. Ele colocou à disposição todas as urnas. Então isso não é problema para nós.
JC – Já foi possível acessar o depósito central de Porto Alegre, onde havia expectativa de 8 mil a 13 mil urnas danificadas?
Moraes – Nosso pessoal agora que conseguiu entrar lá e está fazendo um levantamento. Creio que nos próximos dias vamos ter um levantamento muito mais concreto a respeito da quantidade de urnas atingidas. Estamos em contato permanente com o TSE para superar esses obstáculos.
JC – Se a perda de urnas não é problema, qual deve ser a maior dificuldade que o TRE enfrentará, em relação às enchentes, para a realização do pleito?
Moraes – Um dos problemas que temos que enfrentar é a questão da localização de algumas seções eleitorais que foram atingidas. Por exemplo, num determinado colégio havia duas seções eleitorais e pode ser que o colégio tenha sido levado pela enchente. Temos que realocar aquelas seções eleitorais num outro local próximo. A outra envolve a questão dos mesários que temos que avaliar, tem pessoas que se mudaram inclusive do Estado, ou vão se mudar, talvez essa seja uma outra dificuldade. Estamos monitorando cada uma dessas questões.
JC – Há um diagnóstico de quais municípios terão maior dificuldade para realização do pleito?
Moraes – Hoje realizamos uma videoconferência da 90ª Zona Eleitoral, que envolve Guaíba e Eldorado. Ouvindo o juiz eleitoral, nos passou uma ideia até promissora, bem satisfatória. De outro lado, temos a região do Vale do Taquari. Estamos com a ideia de realizarmos uma audiência pública lá. Porque sabemos como vamos enfrentar, temos a nossa visão, mas queremos ouvir também a comunidade. Tem São Jerônimo também, que é outra região. Canoas também tem bairros que foram duramente atingidos. Estamos nos programando para ouvir a todos e adotarmos as providências mais adequadas para que as eleições possam transcorrer num clima de normalidade.
JC – Pode haver alguma ampliação de prazo para partidos, como, por exemplo, o de registro de candidaturas?
Moraes – Não. Tem que obedecer o calendário eleitoral. Não está dentro da nossa cogitação essa hipótese.
JC – Houve alteração de prazo para algumas questões em relação ao eleitor?
Moraes – Nós tínhamos um prazo até o dia 8 de maio para fazer o cadastramento biométrico, para fazer também modificações de zonas eleitorais, transferências… Isso foi prorrogado até o dia 23 de maio. Isso já ocorreu, e a situação está regularizada.
JC – Para o eleitor, essa será a única ampliação de prazo?
Moraes – Sim. Não está em cogitação outra possibilidade.
JC – A campanha eleitoral está mais curta de alguns anos para cá. Acredita que esse período de reconstrução pode prejudicar, acabar encurtando a campanha eleitoral?
Moraes – Creio que não, porque aqui no Rio Grande do Sul temos uma peculiaridade: é um povo altamente politizado. Os partidos políticos também são muito organizados e a nossa ideia sempre foi de dar igualdade de tratamento, isonomia a partir dos políticos e candidatos, para que possam cumprir a sua missão, cada um defendendo as suas teses e colocando à apreciação do eleitorado.
JC – Em todo ano eleitoral o TRE faz uma recontagem populacional e revisa o número de eleitores. Neste ano, já foi feito?
Moraes – Isso vai para o para o TSE, que posteriormente divulga. Mas posso dizer que temos hoje, fazendo um arredondamento, 8,6 milhões de eleitores, aproximadamente. O RS é o quinto colégio eleitoral. Estão na frente São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Depois, logo em seguida, vem o Paraná.
JC – Continuamos com cinco municípios tendo segundo turno, que é previsto para cidades com mais de 200 mil eleitores?
Moraes – Não houve modificação. O município que estava próximo seria Gravataí, mas não atingiu o número necessário para a realização de segundo turno pelos dados que nós obtivemos. Não saiu oficialmente, mas vai sair.
JC – Na sua posse, citou como um dos principais desafios da sua gestão a criação de um comitê de combate à fraude na cota de gênero. Como está a situação desse comitê?
Moraes – Eu constituí uma comissão, que me apresentou uma minuta, eu estou avaliando, e, nos próximos dias devo fazer a criação desse comitê.
JC – Como esse comitê pode, na prática, fazer um combate efetivo a esse tipo de fraude?
Moraes – Tem várias formas de fazer isso. O primeiro é com um grande observatório, inclusive em nível nacional, levantando a jurisprudência, a doutrina existente sobre a fraude na cota de gênero. Segundo, informando, como um apoio a todos os juízes eleitorais, as situações que já estão caracterizadas como fraude à cota do gênero para que tenham subsídios na hora de decidir. Seria um apoio de natureza doutrinária e jurisprudencial. De outro lado, fazendo encontros com partidos políticos, com candidatos, com todos os segmentos da sociedade, orientando a necessidade de combate à fraude na cota do gênero e evitando que as mulheres, por exemplo, venham simplesmente participar de forma formal e não efetiva, obedecendo o percentual que é de 30%.
JC – Na realidade brasileira, o RS tem um elevado número de fraudes na cota de gênero?
Moraes – Não. Aqui nós não tivemos um ou outro caso isoladamente, já decididos pelo nosso tribunal, o que levou inclusive à recontagem do quociente eleitoral. Mas são situações muito pontuais.
JC – Alguns países trabalham com a reserva de vagas, de cadeiras no Parlamento, em vez da reserva de candidaturas. Como o senhor enxerga esse tema?
Moraes – Casualmente ontem ainda eu estava analisando, porque tem uma cogitação no Congresso Nacional, de alguém que iria apresentar um projeto nesse sentido. Acho que ainda é um tema que merece muita reflexão. Vamos ter que analisar. Temos que ver a nossa realidade tanto sob o ponto de vista histórico quanto do ponto de vista cultural, e levar em consideração a nossa legislação até hoje existente e que preside todas essas relações. Creio que é um ponto assim muito delicado e que vai merecer um aprofundamento muito maior.
JC – Nas últimas eleições gerais, o sistema eleitoral, de forma geral, foi muito atacado, recebeu muitas acusações, inclusive à integridade das urnas eletrônicas. Acredita que esse é um tema que vai estar presente nesta eleição municipal?
Moraes – Acho que é um tema desatualizado e, se vier, vai ser requentado. Porque temos absoluta segurança nas urnas eletrônicas. Temos um sistema de controle que realmente nos leva a ter muita tranquilidade e eu não tenho a menor dúvida que as nossas urnas eletrônicas, que é algo tipicamente brasileiro, deveria receber o nosso aplauso, e não o nosso questionamento.
JC – Na eleição passada também, de 2022, houve uma forte discussão em relação à liberdade de expressão na campanha, principalmente em relação a peças que criticavam o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Algumas foram retiradas do ar pelo TSE. Como o senhor avalia a atuação do TSE nesses episódios e as críticas feitas ao tribunal na ocasião?
Moraes – Creio que o TSE, ao longo da sua existência, sempre procurou se pautar por condutas que pudessem dar tranquilidade, não só aos partidos políticos, aos candidatos e aos eleitores. O TSE têm uma composição muito interessante, formada por magistrados, por juristas, que procura mesclar a experiência em diferentes áreas. E cada um, evidentemente, vai trazer a sua ideia, a sua experiência de vida e tudo aquilo que possa eventualmente contribuir. Estou muito seguro com relação ao TSE. Na minha recente ida a Brasília, nós recebemos um apoio extraordinário deles. Tudo aquilo que a gente tem pedido, tem reivindicado, eles têm sido muito receptivos. E não vai ser diferente nas eleições.
JC – A cada eleição que passa há um problema maior com fake news, ainda mais agora com as deepfake, que conseguem alterar a voz, a expressão facial das pessoas. Como o tribunal está se preparando para encarar níveis cada vez mais tecnológicos e profissionais de desinformação?
Moraes – Primeiramente, temos um comitê de combate à desinformação aqui, que é presidido pelo desembargador Jorge Luiz Dallagnol, que inclusive já foi presidente do TRE. Em segundo lugar, essas questões geralmente entram lá na ponta. São submetidas ao promotor eleitoral, que suscita essas questões junto ao juiz eleitoral, que vai decidir eventual recurso. Aí, se for o caso, vem à prestação no TRE. Não tenho a menor preocupação com relação a isso. Temos as áreas de segurança também que estão muito atentas a essas questões. Temos a Polícia Federal, que é muito preparada, igualmente a Polícia Civil, a Brigada Militar, contamos com o apoio da Polícia Rodoviária Federal. Tudo aquilo que chega de importante, que a gente detecta alguma irregularidade, é encaminhado para a área competente, seja para o Ministério Público Eleitoral ou para uma área específica de combate à desinformação aqui no TRE.
JC – Qual quer que seja a marca da sua gestão no TRE?
Moraes – O principal objetivo é fazer com que haja eleições tranquilas, serenas e que todo o eleitorado tenha condições de votar livremente, de acordo com a sua consciência.