Cerca de 70 mil professores, o equivalente a 35% dos docentes da rede estadual de São Paulo, aderiram à chamada “greve dos aplicativos”, durante a qual não usarão as plataformas digitais impostas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e pelo secretário de Educação, Renato Feder. A estimativa é do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, a Apeoesp, que organizou a greve entre 13 e 19 de maio.
A mobilização também conta com o apoio de diretores de escolas. Os profissionais da educação questionam o uso obrigatório de diversos apps em sala de aula e suas metas de acesso, o que, segundo eles, elevou a pressão sobre o trabalho e contribuiu para um esvaziamento curricular.
A reportagem de CartaCapital conversou reservadamente com o diretor de uma escola da Grande São Paulo que se referiu aos programas como “plataformas de vigília”. Ele preferiu não se identificar por temer represálias do governo.
“Um dos problemas é que nós, gestores das escolas, temos de ficar nessas plataformas controlando o acesso dos professores e a frequência dos alunos a todo momento”, relatou.
Os diretores ainda podem sofrer punição caso as escolas não alcancem as metas de utilização dos apps. A Secretaria de Educação instituiu uma avaliação de desempenho desses profissionais, aferida bimestralmente, em que um dos critérios envolve exatamente o “uso das plataformas digitais”.
O texto da Resolução 04 da secretaria prevê que os diretores que atingirem um grau insatisfatório na avaliação podem, por exemplo, ser removidos para outra unidade escolar ou submetidos a um curso de capacitação.
A rede disponibiliza 17 aplicativos para uso nas escolas, alguns para fins de gestão – como controle de frequência -, outros para registro de atividades escolares.
Professores criticam a perda de cada vez mais espaço na condução da aprendizagem, uma vez que as aulas passaram a ser norteadas por slides da plataforma Centro de Mídias SP e orientadas à resolução de atividades nos aplicativos, avaliadas como rasas e desconectadas do desenvolvimento dos estudantes.
Segundo o diretor que conversou sob reserva com a reportagem, as plataformas são “verticalizadas” e carregam conteúdos pré-determinados que exigem pouca mediação dos professores. Ele diz não ser contrário à tecnologia no aprendizado, mas rejeita a ideia de os docentes se tornarem reféns das plataformas e perderem parte de sua liberdade de cátedra.
Em 13 de maio, dia de início da “greve”, a Diretoria de Ensino de Sorocaba encaminhou uma circular aos diretores escolares enfatizando que os professores das categorias A, F e O integram a rede estadual e, portanto, “devem cumprir com as determinações da Secretaria de Educação”.
O texto, assinado pela dirigente de ensino Rossenilda Gomes Farias, ainda defendia a adoção das plataformas digitais e dizia que a recusa de utilizá-las impactaria nos indicadores educacionais e na avaliação da escola.
A orientação à equipe gestora era comunicar ao supervisor de ensino responsável “qualquer ato de desobediência e/ou insubordinação”, a fim de abrir uma apuração de supostas irregularidades, com possíveis penalidades.
A deputada estadual Professora Bebel (PT-SP), liderança da Apeoesp, disse à reportagem que o movimento pretende provocar o governo a debater amplamente o assunto com a categoria. “Uma coisa é utilizarmos as plataformas digitais como incremento do trabalho pedagógico, mas elas não podem substituir o professor”, criticou. “Eles nos devem respostas quanto a isso.”
“Não tenho vontade de ir para a escola“
Alunos compartilham da insatisfação. Yasmin Lourenço Cardoso, de 17 anos, estudante do 3º ano do ensino médio, relatou a CartaCapital se sentir desmotivada a frequentar a escola, diante da intensa “plataformização” do ensino. Ela não se sente preparada para prestar o Enem ou vestibulares.
“O nosso ensino está sendo limitado a slides, sem interação dos professores, além de um acúmulo dessas atividades padronizadas para responder”, resumiu a jovem. “Eu não tenho vontade alguma de ir para a escola, porque essas plataformas eu conseguiria acessar da minha casa. Procurei a escola pela qualidade de ensino que ela oferecia.”
“Eu sou a favor da paralisação dos aplicativos pelos professores. Eu gostaria que tirassem essas plataformas e que o ensino voltasse a ser o que era antes, garantindo aos estudantes uma grade com todas as matérias que são cobradas pelos vestibulares.”
Aquisição de equipamentos
Para o professor da Faculdade de Educação da USP Fernando Cássio, o cenário criticado pelos docentes tem relação com a carreira de Renato Feder. “A Secretaria de Educação é administrada por um empresário da tecnologia, que não tem nada a ver com a educação e que não se mostra capaz de entender a complexidade e as nuances do processo educativo, seus tempos e suas relações necessárias.”
O pesquisador avalia que a “plataformização” é um pretexto para justificar a aquisição de equipamentos.
“Nada disso é feito com o intuito de ampliar recursos ou enriquecer o trabalho pedagógico”, prosseguiu. “O que se vê é um aumento de controle e uma estratégia para justificar a compra desses equipamentos, aliada a uma obrigatoriedade de uso com metas que, no limite, têm causado o adoecimento coletivo da categoria, sob ameaças de afastamento e perda de cargo.”
Em setembro de 2023, uma reportagem de CartaCapital registrou um movimento semelhante de descontentamento sobre o excesso de plataformas digitais entre diretores e professores do Paraná. A crítica era de que esse havia sido o legado deixado por Renato Feder à frente da Secretaria de Educação do estado, entre 2019 e 2022.
CartaCapital procurou a Secretaria de Educação de São Paulo e atualizará esta matéria se obtiver uma resposta.