O relatório da Polícia Federal (PF), no âmbito das investigações sobre espionagem ilegal por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mostra que os envolvidos miravam em diversas autoridades públicas, como políticos, parlamentares, servidores federais, auditores fiscais, jornalistas e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Um dos alvos de monitoramento pela chamada “Abin paralela” foi o ministro Alexandre de Moraes, do STF. Coube a ele derrubar o sigilo das investigações, revelando ao país as operações ilegais que se desenrolavam nos bastidores do governo Bolsonaro, às margens do poder.
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Em um dos diálogos entre os investigados, em agosto de 2021, dois presos em operação da PF nesta quinta-feira (11) – Marcelo Araújo Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues – conversavam sobre o que poderia ser feito contra o magistrado.
Um deles, segundo a PF, afirma que “esse careca [Moraes] está merecendo algo a mais”. O outro responde: “Só [fuzil] 7.62″. O interlocutor complementa: “Head shot” [tiro na cabeça, em inglês].
Em um outro diálogo a respeito do ministro do Supremo, um dos investigados diz: “Com esse careca filho da p…, só tiro mesmo. Impeachment dele não sai”.
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De acordo com a PF, “os investigados Giancarlo e Bormevet, por oportuno, foram intimados para prestarem esclarecimentos sobre os fatos colacionados”.
“O primeiro encaminhou atestado de saúde para justificar o não comparecimento, o segundo se reservou ao direito sagrado ao silêncio sob a justificativa de não ter tido acesso às diligências de análise em andamento”, diz a corporação.
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Os alvos da “arapongagem”
Entre os nomes supostamente alvos da “arapongagem” da Abin, aparecem o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o senador Renan Calheiros (MDB-AL), ex-presidente do Senado. Segundo a PF, a espionagem ilegal abrangia tanto políticos aliados do governo de então (como Lira) quanto opositores (no caso de Renan).
Outro nome que teria sido espionado pelo grupo é o do ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, um dos maiores alvos do bolsonarismo durante o período em que o ex-presidente da República ocupou o Palácio do Planalto.
De acordo com o relatório da PF, o monitoramento ilegal de Maia teria sido executado por ordem de Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin no governo Bolsonaro – e hoje pré-candidato do PL à prefeitura do Rio de Janeiro (RJ).
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Outros políticos monitorados pela “Abin paralela” do governo Bolsonaro, aponta a PF, teriam sido o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP), a ex-deputada federal Joice Hasselmann (antiga aliada de Bolsonaro, mas que rompeu com o ex-presidente) e os senadores Alessandro Vieira (MDB-SE), Omar Aziz (PSD-AM) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), além do próprio Renan – os três últimos fizeram parte da CPI da Covid, que investigou as ações e omissões do governo Bolsonaro durante a pandemia.
No Poder Executivo, de acordo com a PF, o ex-governador de São Paulo João Doria (sem partido) também teria sido espionado ilegalmente. Doria é mais um caso de ex-apoiador de Bolsonaro que passou a ser alvo do núcleo bolsonarista depois de romper com o então presidente da República.
Ministros do STF não escaparam
Ainda de acordo com o relatório da PF sobre o caso, pelo menos quatro ministros do STF teriam sido monitorados clandestinamente.
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A investigação aponta que, além de Moraes, foram alvos os ministros Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
Segundo o relatório da PF, os diálogos obtidos pela investigação indicam que os investigados planejavam possíveis ações clandestinas contra os magistrados da mais alta Corte do Judiciário brasileiro, “com o escopo de questionar a credibilidade do sistema eleitoral”.
Servidores do Ibama, auditores da Receita e jornalistas
A “arapongagem” da Abrin também teve como alvos, diz a PF, os servidores do Ibama Hugo Ferreira Netto Loss e Roberto Cabral Borges e os auditores da Receita Federal Christiano José Paes Leme Botelho, Cleber Homen da Silva e José Pereira de Barros Neto.
Em relação aos auditores da Receita, aponta a PF, a ideia do grupo seria coibir as investigações do suposto esquema de “rachadinha” no gabinete do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), um dos filhos do ex-presidente.
A ação clandestina de espionagem teria ocorrido, de acordo com a PF, no dia 20 de novembro de 2020, com o intuito de escobrir “podres” e “relações políticas” dos auditores.
A imprensa profissional também não escapou da “Abin paralela”. Segundo as investigações da PF, os jornalistas Monica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista foram monitorados pelo grupo criminoso.
PF nas ruas
A PF deflagrou, na manhã desta quinta-feira (11), a 4ª fase da Operação Última Milha. O objetivo é desarticular a organização criminosa que monitorava ilegalmente autoridades públicas, além de produzir notícias falsas, utilizando-se de sistemas Abin.
De acordo com a corporação, policiais federais cumprem 5 mandados de prisão preventiva e 7 de busca e apreensão, expedidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF), Curitiba (PR), Juiz de Fora (MG), Salvador (BA) e São Paulo (SP).
Em nota, a PF informou que membros dos Três Poderes e jornalistas foram alvos do grupo, “incluindo a criação de perfis falsos e a divulgação de informações sabidamente falsas”.
“A organização criminosa também acessou ilegalmente computadores, aparelhos de telefonia e infraestrutura de telecomunicações para monitorar pessoas e agentes públicos”, diz a PF.
Os investigados podem responder pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, interceptação clandestina de comunicações e invasão de dispositivo informático alheio.