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Livraria em Paris é uma das únicas a reunir literatura brasileira na Europa

Livraria em Paris é uma das únicas a reunir literatura brasileira na Europa


Foi ao voltar a Paris que Michel se deu conta que trazia um mundo pouco conhecido na mala. Biólogo por formação, ele tinha sido enviado a Portugal em meados dos anos 80 para lecionar. Ali, apaixonou-se pela literatura em língua portuguesa, ainda pouco conhecida na sua França. Resolveu que largaria a biologia para se dedicar aos livros tão logo pisou novamente em Paris.

“Quando voltei à França, queria manter meu contato com a cultura de língua portuguesa,  comecei a trabalhar como tradutor e percebi que havia relatos magníficos de viagem em português, tais como a carta de Pero Vaz de Caminha” conta Michel Chandeigne. “Falei com editoras portuguesas que poderia trabalhar com eles aqui da França, mas não aceitaram. Então fundei minha livraria.”

Assim nasceu em 1986 a Librairie Portugaise & Brésilienne, em uma saleta próxima a pontos históricos da capital francesa, como o Jardin de Luxembourg e o Panthéon. Hoje, a livraria ocupa uma loja em frente à Place de l’Estrapade — cuja fonte de água recentemente se tornou famosa por ser um dos cenários da série Emily in Paris. Alguns milhares de livros de nomes conhecidos no Brasil, de Graciliano Ramos a Darcy Ribeiro, estampam a vitrine e as prateleiras da loja.

Os princípios desse acervo brasileiro se devem muito a outro amor de Michel: sua esposa, que conheceu em meio ao recluso mundo da literatura em língua portuguesa na França. “Foi com ela, Ariane Witkowski, que conheci mais da cultura e dos intelectuais brasileiros”, conta o livreiro. Professora na Sorbonne, a especialista em literatura brasileira morreu em 2003 e deixou como legado a verve brasileira da livraria.

“Os brasileiros que vem aqui gostam muito de comprar traduções para presentear amigos franceses”, explica Michel, apontando para uma prateleira exclusiva de Machado de Assis. “Os livros que mais saem são do Machado, especialmente ‘O Alienista’.” Outros favoritos que também tem a preferência do livreiro são Guimarães Rosa, Jorge Amado e Clarice Lispector.

A história da livraria se mistura à intensa relação entre França e Brasil, um contato que remonta a expedições coloniais e científicas do século XVI, casos da França Antártica e da França Equinocial, e chega a episódios recentes, como as passagens célebres de intelectuais e pesquisadores Levi Strauss e Pierre Verger no Brasil.

“É uma relação que vem desde muito tempo, passa pelas viagens do Debret ao Brasil no século XVII”, diz Michel. “Sempre houve essa busca dos franceses pela cultura brasileira. Nos primeiros mandatos do Lula cresceu muito esse interesse, havia um ímpeto, muitas empresas atrás de negócios”, diz Michel.

Esse interesse levou Michel a fundar a própria editora vinculada à livraria em 1992. A Maison Chandeigne tem 260 livros publicados, sendo a maior parte de autores brasileiros traduzidos para o francês. Há clássicos, como antologias poéticas de Drummond e Fernando Pessoa, e obras de nicho, como o livro que conta a história do futebol no Brasil, do autor Michel Raspaud.

“Mais recentemente, notamos uma tomada de consciência muito grande para questões como a causa indígena, quilombola,” explica Anne Lima, diretora e cofundadora da Maison Chandeigne. Esse momento se reflete nas prateleiras, que hoje também dão espaço a livros de autores como Lélia Gonzalez, Conceição Evaristo, Itamar Vieira Júnior e Ailton Krenak.

No dia-a-dia, clubes de leitura e eventos tomam a agenda da livraria. Nomes como Fernando Henrique Cardoso já pisaram na loja e encontros com novos autores, tais como Itamar Vieira, fazem parte do calendário de atividades da Librairie. Além de estudantes de português, brasileiros e brasilianistas em geral, a livraria acolhe pais e mães que residem na França e tentam passar o vínculo com o país natal para seus filhos.

Falantes de português de países africanos, como Angola e Cabo Verde, também são figura cativa dos pequenos e vastos corredores da loja, que conta com autores como Mia Couto e Pepetela. “A língua portuguesa se espalhou em todas as partes do mundo, com as coisas boas e ruins que isso traz”, diz Michel.

Mais sobre Paris:

A Librarie e a Maison Chandeigne formam um par singular na França. Por um lado, a loja é uma das poucas do tipo na Europa e se mantém num mercado editorial nacional pujante — segundo pesquisa publicada em 2019, os franceses leem 21 livros por ano. “Não há mais nenhuma livraria para a língua espanhola na França, e a população de língua espanhola é enorme”, diz Michel, a título de comparação.

Por outro lado, há o trato na lida com seu produto. O livreiro é também tipógrafo e sabe como poucos a arte de trabalhar com máquinas e tintas que perderam o espaço para programas digitais. Mencionando Drummond, Michel fala das sutilezas das traduções com a mesma paixão com que fala das minúcias da impressão. “Aqui somos resistência,” diz.

Serviço:

Librairie Portugaise & Brésilienne

21 Rue des Fossés Saint-Jacques, 75005 Paris

Horários: seg-sab, 11h-13h e 14h-19h

Mais informações: www.facebook.com/librairieportugaisebresilienne/





Fonte: CNN Brasil

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