Quase dois anos depois de ter sido eleito senador pelo estado do Paraná, com mais de 1,9 milhão de votos, o ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Fernando Moro (União Brasil), de 51 anos, enfrentou recentemente seu maior “teste de fogo” na arena política.
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Entre abril e maio, Moro foi julgado em um processo que poderia levá-lo à perda do mandato. O senador foi acusado de abuso de poder econômico, caixa 2 e uso indevido dos meios de comunicação durante a campanha eleitoral de 2022. As ações foram apresentadas, ironicamente, pelas duas forças que hoje polarizam a política nacional: o PL (partido do ex-presidente Jair Bolsonaro) e a federação formada por PCdoB, PV e PT (do presidente Luiz Inácio Lula da Silva).
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Absolvido tanto no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) quanto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-juiz da Lava Jato mal teve tempo de respirar aliviado. Logo no início de junho, ele se tornou réu no Supremo Tribunal Federal (STF), após a Primeira Turma da Corte acolher uma denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) por supostas ofensas dirigidas a Gilmar Mendes, ministro da Corte.
Durante o período no qual enfrentou uma “tempestade perfeita”, Moro se recolheu, concentrou-se em sua defesa e praticamente não falou com a imprensa, embora sempre tenha se manifestado publicamente, pelas redes sociais ou por meio de notas, alegando inocência e demonstrando confiança na absolvição.
Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, o parlamentar atribui ao governo Lula o que classifica como um “clima político de revanchismo no país”, que teria se intensificado a partir da mudança na direção dos ventos da política nacional, com a volta do PT ao Palácio do Planalto, em 2023, 7 anos após o impeachment de Dilma Rousseff e 5 anos depois da prisão de Lula – decretada pelo próprio Moro, em 2018.
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“No início deste mandato, o próprio presidente da República deu declarações desastradas em relação a mim. Infelizmente, eu também sou vítima, de certa maneira, de uma tentativa de vingança de organizações criminosas, como o PCC. O quadro é delicado”, diz o senador.
“Ambas as cortes [TRE-PR e TSE] proferiram decisões conforme a lei e segundo os fatos. Nesse clima político de vingança e retaliação, os tribunais terem se mantido imunes às pressões políticas é algo bastante positivo”, pondera. “Mas, antes dos julgamentos, era impossível fazer um prognóstico seguro sobre o que aconteceria, justamente por causa desse clima de instabilidade política.”
Moro também aborda as dificuldades do atual governo em votações no Congresso Nacional e afirma que Lula “não tem um projeto para o país”, que estaria “à deriva”. “A obsessão deste governo é punir o que ele entende como ‘fake news’ ou ofensas a autoridades governamentais. E sobram pouco tempo e poucos recursos para o enfrentamento do crime organizado. Em matéria de propostas legislativas, não existe nada”, aponta.
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Na conversa com a reportagem, o ex-ministro da Justiça, que vem priorizando a pauta da segurança pública em sua atuação no Senado, critica o projeto de lei que proíbe a delação premiada de réus presos, elogia a derrubada do veto de Lula ao fim das chamadas “saidinhas” e defende a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de entorpecentes. “Sim, a guerra contra as drogas é falha. Mas a alternativa seria melhor? Alguns países que caminharam para uma liberalização tiveram problemas. Não existe um caminho fácil, mas entendo que a criminalização ainda é o mais adequado”, afirma.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Sergio Moro ao InfoMoney:
InfoMoney: O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vem costurando a votação de um projeto de lei que proíbe a delação premiada de réus presos. O senhor escreveu que, se aprovada, a proposta seria digna “do estatuto da Cosa Nostra ou do PCC, mas jamais do código de leis de um país civilizado”. Quais são os maiores problemas do projeto?
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Sergio Moro: Esse projeto antidelação prejudica, principalmente, a investigação dos crimes complexos. Se olharmos os exemplos de colaborações premiadas que se tornaram famosas, muitas delas envolveram investigados que estavam presos. A mais emblemática foi a do mafioso italiano Tommaso Buscetta [1928-2000], que foi preso no Brasil e extraditado para a Itália. Ele fez a famosa colaboração perante o juiz Giovanni Falcone [1939-1992], o que propiciou, juntamente com outras provas, a prisão e a responsabilização de mais de 300 membros da “Cosa Nostra” [máfia que surgiu na região da Sicília, na Itália], incluindo lideranças. Na Lava Jato, nós também tivemos casos de colaboração de réus que estavam presos, como Marcelo Odebrecht.
Por um lado, esse projeto traz um prejuízo para as investigações e, por outro, um tratamento discriminatório em relação aos investigados. Na perspectiva da polícia, do Ministério Público e dos agentes da lei, a colaboração é um meio para a obtenção de provas contra os cúmplices do delator. Mas, na perspectiva do delator, é um instrumento de defesa por meio do qual ele obtém benefícios. Além de prejudicar o combate ao crime, inclusive o crime organizado, existe um cerceamento de defesa de pessoas presas, que serão tolhidas de poder fazer a colaboração e ter benefícios. É como se você proibisse um preso de confessar o crime.
IM: O Congresso derrubou o veto de Lula ao fim da saída temporária de presos para visitar familiares e participar de atividades sociais. O senhor votou pela derrubada do veto. A “saidinha” não é uma medida importante para a ressocialização dos detentos?
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SM: Nós precisamos ter um pouco mais de seriedade na aplicação do direito penal. O Senado teve a sensibilidade de resgatar a possibilidade da saída temporária dos presos do regime semiaberto para atividades de educação, além de manter a saída para fins de trabalho. Educação e trabalho, sim, são atividades ressocializantes. Colocamos ainda, por uma emenda minha, a determinação de que, mesmo para trabalho ou educação, o preso condenado por crimes violentos não possa sair sem vigilância direta, como forma de proteção à sociedade e às próprias vítimas. Então, o fato é que foram mantidas, no cumprimento da pena, atividades com capacidade de ressocialização. Para obter esses benefícios, o preso tem de demonstrar bom comportamento.
Portanto, é falso quando o governo afirma que a manutenção da “saidinha” é fundamental para garantir o bom comportamento dos presos, já que esse bom comportamento continua sendo exigido para outras medidas. O que nós observamos, e havia uma reclamação generalizada da segurança pública dos estados quanto a isso, é que os presos saem às centenas ou aos milhares, em feriados, e parte deles não retorna ou volta a cometer crimes.
IM: O governo Lula vem sofrendo derrotas importantes no Congresso, como no caso dos vetos e na devolução da MP 1227/2024 – que restringe a compensação de créditos das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins. O senhor vê fragilidades na articulação política do Planalto?
SM: A principal responsabilidade é do próprio Lula, que não tem um projeto para o país. Na área da segurança pública, talvez o problema mais visível e que preocupa mais a sociedade, temos visto as organizações criminosas se fortalecerem e uma total omissão do governo em relação a isso, tanto em matéria legislativa quanto em ações concretas. O que parece é que a Polícia Federal está toda mobilizada para a perseguição de adversários políticos e de críticos do governo. A obsessão deste governo é punir o que ele entende como “fake news” ou ofensas a autoridades governamentais. E sobram pouco tempo e poucos recursos para o enfrentamento do crime organizado. Em matéria de propostas legislativas, não existe nada. O país está a reboque no que se refere a esse tema. Quando o governo não tem proposta, fica muito difícil gerar convencimento dos parlamentares. Infelizmente, os parlamentares têm dificuldade de assumir esse protagonismo, que teria de ser do governo, teoricamente mais forte para a construção da agenda legislativa. Por causa da ausência de governo, na prática, o país está à deriva.
IM: Em abril, o Senado aprovou, com o seu apoio, a PEC das Drogas, que criminaliza a posse ou porte de qualquer quantidade de droga – o texto acaba de ser aprovado pela CCJ da Câmara. O combate às drogas, como tem sido feito até aqui, é bem sucedido? Criminalizar é a melhor solução?
SM: A PEC das Drogas surgiu por iniciativa do senador Rodrigo Pacheco [PSD-MG, presidente do Senado] diante dos receios em relação ao julgamento sobre o tema pelo STF, que ameaçava a descriminalização da posse e do porte de drogas. Primeiro se discutia a questão de todas as drogas e, depois, se discutiu apenas a maconha. Também analisaram estabelecer um valor absoluto de quantidade de droga para caracterizar se a pessoa era consumidora ou traficante. O Senado, também porque entende que essa política pública deve ser debatida pelos representantes eleitos no Parlamento, editou essa PEC. Não se trata de nenhuma afronta ao Supremo, é apenas uma medida para dar segurança jurídica ao cidadão. O grande problema de descriminalizar o porte de pequenas quantidades de drogas é que parte do comércio varejista é dominado pelas grandes cadeias do tráfico. Não tem um pequeno varejista autônomo, ele é a ponta de uma cadeia de fornecimento controlada por organizações criminosas. Se a gente facilita a vida do varejista – e não existe um varejista que vai à rua com 1 quilo de cocaína; ele vai com pequenas quantidades para não perder a mercadoria se for preso –, isso facilitará as atividades das organizações criminosas.
Uma questão maior é discutir se cabe uma legalização das drogas ou se esse combate está sendo bem sucedido ou não. Eu sou contra a legalização. O argumento de que o combate às drogas falhou é relativo. Veja bem, também temos uma alta taxa de homicídios no Brasil, mas isso não significa que vamos deixar de combater a criminalidade. Existe uma indústria de roubo de carros, mas não vamos deixar de considerar o roubo de carros um crime. Sim, a guerra contra as drogas é falha. Mas a alternativa seria melhor? Alguns países que caminharam para uma liberalização tiveram problemas. Não existe um caminho fácil, mas entendo que a criminalização ainda é o mais adequado. E é importante lembrar que a lei brasileira não pune o usuário, o consumidor de drogas, com prisão. Ele é condenado criminalmente, mas as penas aplicadas não são de prisão. São de advertência e obrigação de frequentar cursos ou clínicas de reabilitação.
IM: O deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), seu colega de partido, será o relator, na CCJ da Câmara, de uma PEC que prevê anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023. O senhor é favorável à proposta? Na sua opinião, houve “apenas” vandalismo ou, de fato, uma tentativa de golpe naquele episódio?
SM: Repudio qualquer forma de violência ou ataque contra instituições ou autoridades constituídas. Penso, inclusive, que essas ofensas públicas são lamentáveis. O político ou a autoridade pública devem estar sujeitos a críticas e o debate público pode ser veemente, mas não agressivo. E depredação de prédios públicos, evidentemente, não é algo admitido pela lei e deve ser punida. Há uma discussão pertinente e uma certa percepção de que haveria um apenamento excessivo de várias dessas pessoas que estão sendo responsabilizadas – ou seja, que as sanções seriam demasiadamente elevadas. Creio que poderia ser discutida uma possibilidade de revisão judicial ou legislativa em relação ao apenamento por essas condutas. Participei da CPI do 8 de Janeiro e, naquela ocasião, não foi produzida uma prova convincente de que o movimento de 8 de janeiro teria sido planejado ou orquestrado por alguém maior. Há investigações no Supremo e temos de esperar o encerramento desse processo para termos uma conclusão mais definitiva.
IM: O senhor foi absolvido tanto pelo TRE-PR quanto pelo TSE das acusações de abuso de poder econômico, caixa 2 e uso indevido dos meios de comunicação durante a campanha eleitoral de 2022. Em algum momento, chegou a temer perder o mandato no Senado?
SM: Existe um clima político de revanchismo no país, que é gerado pelo governo Lula. No início deste mandato, o próprio presidente da República deu declarações desastradas em relação a mim. Infelizmente, eu também sou vítima, de certa maneira, de uma tentativa de vingança de organizações criminosas, como o PCC. O quadro é delicado. Houve a decisão do TRE-PR e do TSE, que eu elogiei publicamente. Ambas as cortes proferiram decisões conforme a lei e segundo os fatos. Nesse clima político de vingança e retaliação, os tribunais terem se mantido imunes às pressões políticas é algo bastante positivo. Havia, por parte de alguns agentes políticos e de parte da imprensa, uma previsão de que eu teria um resultado negativo, e sempre ponderei de que deveríamos esperar com serenidade. No final, ele foi positivo. Mas, antes dos julgamentos, era impossível fazer um prognóstico seguro sobre o que aconteceria, justamente por causa desse clima de instabilidade política do país.
IM: Poucos dias após sua absolvição na Justiça Eleitoral, o senhor se tornou réu no STF em um processo sobre supostas ofensas ao ministro Gilmar Mendes. Como recebeu essa decisão da Primeira Turma da Corte? Você se arrepende dos comentários sobre o ministro?
SM: O episódio foi bem esclarecido pela minha defesa, no sentido de que não houve nenhuma acusação ali. Foi uma brincadeira jocosa em uma festa junina. Nós esperamos que a instrução do processo no STF leve à improcedência dessa ação. [Em abril de 2023, viralizou nas redes sociais um vídeo de menos de 10 segundos em que Moro diz: “Não, isso é fiança. Instituto para comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes”. O ex-juiz da Lava Jato aparece rindo, aparentemente entre amigos, em um momento de descontração.]
IM: O senhor pretende disputar as eleições em 2026? Cogita se candidatar ao governo do Paraná ou à Presidência da República?
SM: A minha avaliação é que 2026 está muito longe. De todo modo, meu foco hoje é o Senado Federal. Quando houve as decisões da Justiça Eleitoral, com a preservação dos votos que recebi de quase 2 milhões de paranaenses, fiz questão de dizer claramente que não estarei no tíquete presidencial em 2026. Meu foco não é esse. Não obstante, pretendo apoiar uma candidatura presidencial para derrotar Lula e o PT. Não por animosidade, mas porque estamos vendo que não existe um projeto de país. Existe um projeto para o partido e para os aliados do presidente Lula. A economia vai mal, a segurança pública vai mal, a saúde vai mal. O Brasil merece uma mudança de rumo.
IM: É possível comparar o desfecho da Lava Jato com o que ocorreu com a Operação Mãos Limpas, na Itália? Houve uma reação do poder político contra as investigações e os investigadores?
SM: A Lava Jato mostrou que o Brasil não está predestinado à impunidade. Hoje, nós assistimos a um processo de revanchismo. É lamentável, porque todos reconhecem que a corrupção aconteceu, foi real, o dinheiro foi devolvido, houve confissões, depoimentos e provas categóricas. Temos agora uma fase de revisão legislativa, de revisão de decisões com base em tecnicismos jurídicos, e isso acaba gerando a impunidade. É um momento difícil. O atual governo foi contra, por exemplo, a Lei das Estatais, que é um mecanismo preventivo à corrupção e foi uma das primeiras leis que eles tentaram derrubar.
IM: Como fica o combate à corrupção no Brasil? O país produziu avanços institucionais para que essa agenda não se perca?
SM: Não existe uma democracia sólida sem que nós combatamos a corrupção. Tenho a expectativa de que possamos, mais adiante, resgatar o exemplo da Lava Jato.
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