Foi uma demonstração de força cuidadosamente coreografada em Pequim na quinta-feira (16), quando o presidente russo, Vladimir Putin, chegou para mais uma reunião com o líder chinês, Xi Jinping. Os dois eram apenas sorrisos.
Entretanto, na Europa, a atmosfera dificilmente poderia ter sido menos jovial.
Na quarta-feira (15), o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, foi baleado várias vezes e gravemente ferido em uma tentativa de assassinato. Fico está fora de perigo agora. Detalhes sobre o ataque ainda estão incertos. Mas o acontecimento aumentou a sensação de crise em toda a região; a sensação de que, por mais tensa que esteja a situação, é hora de se preparar com urgência, pois pode piorar muito.
Nos 10 dias desde que Putin tomou posse para mais um mandato – o seu quinto como presidente da Rússia – o exército lançou um ataque surpresa no nordeste da Ucrânia, aproximando-se da segunda maior cidade do país, Kharkiv, e capturando várias aldeias ucranianas.
O ataque relâmpago da Rússia, de acordo com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que cancelou todas as suas viagens ao exterior, visa forçar a Ucrânia a aumentar as suas defesas.
Taticamente, a ação de Moscou reforçou a sua posição no campo de batalha antes da chegada das prometidas armas dos EUA à Ucrânia. Politicamente, isso acontece meses antes do possível retorno ao poder do ex-presidente Donald Trump, que indicou que não continuará com o nível de apoio do presidente Joe Biden a Kiev.
O secretário das Relações Exteriores britânico, David Cameron, classificou o momento como “extremamente perigoso”. A Rússia, disse ele, tinha efetivamente “invadido novamente”.
Para aumentar a tristeza, os europeus assistiram aos aliados de Putin na Geórgia, uma ex-república soviética, ignorarem os protestos massivos nas ruas e aprovarem o chamado projeto de lei dos “agentes estrangeiros”, que é quase uma cópia daquele usado pelo Kremlin para esmagar a oposição pró-democracia.
Foi uma vitória para Moscou e uma derrota para a grande maioria dos georgianos que desejam fervorosamente que o seu país entre na União Europeia.
Garantir vitórias sem ir à guerra é mais barato. É por isso que Moscou está interferindo na Moldávia, outra ex-república soviética que espera aderir à União Europeia, e é por isso que há provas crescentes de campanhas russas em curso para interferir nas muitas eleições que decorrem na Europa e em outros lugares, injetando desinformação e alimentando tensões políticas.
Curiosamente, o Ministério das Relações Exteriores eslovaco acusou a Rússia de interferir nas eleições que levaram Fico – um admirador de Putin – ao poder. Moscou negou as acusações.
O ministro do Interior do país alertou que a Eslováquia está “à beira da guerra civil” devido às tensões políticas. O ministro também disse que o ataque teve motivação política e afirmou que o suspeito discordava das políticas de Fico.
O que começou como uma invasão russa a Ucrânia há mais de dois anos se transformou em um desafio memorável para a Europa.
Com o avanço da Rússia na guerra, o continente está acordando para o fato de que esse conflito é mais do que a sobrevivência de uma ex-república soviética. Todos os dias, a dura realidade de que o que começou na Ucrânia mudará a Europa nos próximos anos se torna mais inevitável.
No início dessa semana, em Moscou, Putin lançou outra medida surpresa, destituindo o ex-ministro da Defesa, Sergei Shoigu. Ele o substituiu por Andrey Belousov, um ex-funcionário do governo que é economista e bem versado em “questões do complexo militar-industrial”, segundo especialistas, sugerindo que transformar a Rússia em uma economia de guerra plena é agora o plano.
Agora também a Europa está acelerando os seus próprios preparativos, não só para apoiar a Ucrânia, mas para se defender.
Não faz muito tempo que a Ucrânia parecia estar em vantagem, empurrando a Rússia para fora dos territórios que invadiu. Agora tudo isso mudou
Frida Ghitis
Quando os republicanos de extrema direita na Câmara dos Deputados dos EUA paralisaram um pacote de ajuda militar durante longos seis meses, a Rússia inverteu a maré.
O auxílio foi aprovado no mês passado, mas já era tarde. Levará algum tempo até que a ajuda chegue e, mesmo assim, o desequilíbrio no abastecimento militar continuará.
A economia militarizada da Rússia, sob um sistema que não aceita reclamações, com Putin em pleno controle, não está apenas recebendo armamento do Irã e da Coreia do Norte; segundo os EUA, há uma ajuda fundamental da China – que nega, afirmando que é neutra no conflito.
A Rússia também produz três vezes mais granadas de artilharia que os que apoiam a Ucrânia.
Com o avanço das forças russas e com Putin classificando o conflito como uma guerra contra o Ocidente, a Europa lançou um esforço em grande escala para se preparar para o pior.
Quando os historiadores olharem para esse momento, não poderão afirmar que a Europa ignorou a ameaça, mesmo que as longas décadas pós-Guerra Fria, como sabemos agora, tenham sido marcadas por um otimismo excessivo sobre o poder duradouro da paz e da democracia.
A Noruega, que compartilha uma fronteira crucial com a Rússia no Ártico, é integrante da Otan, mas não da UE. O país acabou de anunciar um enorme plano de expansão militar de 12 anos. Até 2036, o seu orçamento de defesa duplicará de tamanho e o seu exército terá o triplo de militares.
Em Londres, o primeiro-ministro britânico Rishi Sunak anunciou recentemente um grande aumento nos gastos com defesa para o país “estar preparado para a guerra”.
O primeiro-ministro da Holanda Mark Rutte, que está deixando o cargo, é um dos favoritos para se tornar o novo chefe da Otan. O orçamento da defesa deverá duplicar, passando de US$ 15,6 bilhões em 2022, quando a Rússia lançou a guerra – para US$ 31,2 bilhões até 2029.
Talvez o mais dramático seja o fato do presidente francês, Emmanuel Macron, ter recusado descartar o envio de tropas ocidentais para a Ucrânia. No início desse mês, ele disse que a questão surgiria legitimamente se a Rússia rompesse a linha de frente e Zelensky pedisse reforços.
Os comentários de Macron foram rejeitados pelos aliados europeus que continuam receosos em provocar um confronto direto com Putin.
Na verdade, esse medo se tornou uma grande restrição para os soldados ucranianos no terreno: a Casa Branca proíbe a Ucrânia de atingir alvos dentro da Rússia com as armas que fornece.
De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra, a política “está comprometendo gravemente a capacidade da Ucrânia de se defender contra as operações ofensivas russas” na região de Kharkiv, criando um “santuário” para a Rússia atacar a Ucrânia a partir das zonas fronteiriças.
Já passou da hora de afrouxar essas restrições. A Ucrânia deveria ser autorizada a se defender, mesmo que isso signifique atacar dentro das fronteiras russas. O custo de permitir que Putin comande a Ucrânia é, como se torna cada vez mais claro, muito elevado.
Ao mesmo tempo que rejeita a ideia de enviar tropas para a Ucrânia, a Alemanha está aparentemente se preparando para reintroduzir o serviço militar obrigatório.
Um documento revelou que Berlim está considerando impor o recrutamento para homens e mulheres de 18 anos, um sinal de que a crise atual se tornou um ponto de virada nas opiniões sobre a segurança nacional e regional, com repercussões que durarão anos, independentemente de como e quando essa guerra terminar.
Os preparativos para uma possível guerra são mais surpreendentes na Finlândia, que compartilha a fronteira mais longa da Europa com a Rússia e que já perdeu território devido às invasões do Kremlin. A Finlândia construiu não só os seus abrigos para civis e os seus arsenais de armas, munições e combustível, mas também de cereais para alimentar a população.
“A Rússia respeita o poder”, disse o tenente-general finlandês Mikko Heiskanen, descrevendo um plano plurianual para a defesa do país.
Talvez Putin e Xi encontrem mais razões para sorrir neste momento, mas os europeus querem ter a certeza de que essa é apenas uma situação temporária.
*Nota do Editor: Frida Ghitis, ex-produtora e correspondente da CNN, é colunista de assuntos mundiais. Ela é colaboradora semanal de opinião da CNN, colunista colaboradora do The Washington Post e colunista sênior da World Politics Review. As opiniões expressas nesta reportagem são dela.
Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.
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