As intensas chuvas no estado do Rio Grande do Sul trazem, acima de tudo, um grande custo humanitário, com dezenas de mortes, centenas de feridos e mais de 200 mil pessoas foras de suas casas. Tamanha tragédia climática acaba por trazer desdobramentos econômicos também importantes, que ainda devem ser contabilizados por analistas.
Em relatórios, o JPMorgan e a XP Investimentos apontaram os possíveis efeitos para a economia não só gaúcha, mas também brasileira. Na avaliação do JPMorgan, os efeitos sobre o Produto Interno Bruto (PIB) e sobre a inflação tendem a ser mais modestos do que o impacto político de médio prazo nas contas fiscais, dependendo de como o governo e o Congresso decidam lidar com as necessidades da região.
O estado responde por cerca de 8,6% do peso atual da inflação e representou 6,5% no PIB do Brasil em 2021. O JPMorgan aponta que o Rio Grande do Sul tem uma economia diversificada, com grande força proveniente principalmente do setor agrícola. Sendo as suas principais culturas agrícolas a soja, o arroz, o trigo e o milho, a repercussão dos acontecimentos recentes pode espalhar-se pela economia em geral, particularmente através do aumento dos preços dos alimentos.
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“É difícil estimar os impactos exatos no PIB e nos preços, mas um paralelo com as cheias no estado do Rio de Janeiro em 2010-2011 (na região serrana) pode trazer algumas perspectivas. Naquela época, o crescimento do PIB do Rio de Janeiro ficou abaixo da média nacional em 2 pontos percentuais na média desses dois anos. É claro que não só as inundações foram a única razão para tal desempenho, mas também a extensão dos acontecimentos relacionados com o clima, enquanto o cenário nacional e a composição da economia de cada estado são todos diferentes. Dito isto, se o Rio Grande do Sul fosse impactado pelos mesmos 2 pontos percentuais, o efeito no PIB nacional ficaria entre um e dois décimos”, avaliam . Quanto à inflação, os preços no RJ em alguns momentos de 2010-2011 ficaram um ponto percentual acima da média nacional.
Mesmo que os efeitos sobre os preços tendessem a ser temporários, a extensão do efeito de curto prazo é desconhecida neste momento. Relatos sugerem que a maior parte da produção no RS já foi colhida, aponta o banco. Observando os preços no atacado dos principais itens agrícolas produzidos no Rio Grande do Sul, até o momento o efeito das enchentes se concentrou nos preços do arroz, que saltaram 5% nos últimos sete dias. O arroz representa 0,75% do índice de inflação e, se os 5% fossem repassados aos consumidores, o impacto nos preços seria de cerca de 5 pontos-base.
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A equipe de análise macroeconômica da XP, ao fazer análise sobre a inflação, também aponta que o destaque fica pelas perdas na produção de arroz, visto que o Rio Grande do Sul é protagonista no plantio desse alimento – aproximadamente 70% da produção nacional. “Estimamos que cerca de 5% da produção doméstica possa ter sido severamente afetada em decorrência dos eventos climáticos. Trata-se de um número relevante, embora não altere substancialmente nosso cenário base. Nesse sentido, esperávamos deflação na ordem de 5% para o arroz em 2024, que revertemos para virtual estabilidade”, avalia a casa.
Também relevantes são as perdas na produção de soja. Neste caso, consideram que os impactos indiretos sobre o IPCA tendem a ser limitados, dada a evolução da colheita no Brasil e dos estoques disponíveis. Da mesma forma, as perdas para a pecuária e produção de carne de frango devem se converter em altas localizadas de preços, mas sem grandes restrições à oferta nacional, segundo a equipe de análise de Commodities da XP. “Com isso, revisamos nossa projeção para o grupo de alimentação no domicílio, de 3,8% para 4,2%”, destaca a equipe de análise.
O impacto localizado e de curto prazo deve ser relevante, avalia a equipe macro da XP, mas há dúvida se o IBGE conseguirá realizar a medição. “As restrições logísticas causadas pela destruição da infraestrutura de transporte não devem apenas impactar os preços de alimentos, mas de quase todos os bens no Rio Grande do Sul. A região de Porto Alegre, pesquisada pelo IBGE no IPCA, pesa 8,6% no índice geral e deve vivenciar escalada de preços nos próximos dias. No entanto, conforme anunciado em nota oficial, o IBGE suspendeu a coleta de dados na região por tempo indeterminado, o que nos dá poucos insumos para mudar a projeção de curto prazo”, apontam os economistas.
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Dadas as incertezas, a XP ajustou a curva para os preços de arroz, mas não para as demais linhas. A projeção da corretora para o IPCA de 2024, atualmente em 3,7%, tem viés limitado de alta por conta deste efeito. Por ora, calcula impacto aproximado de 0,1 ponto percentual (pp) no IPCA anual, mas espera mais informações para ajustes na dinâmica mensal.
Para o PIB, a estimação dos efeitos indiretos sobre a atividade econômica do Rio Grande do Sul (e do Brasil) é ainda mais desafiadora, avalia a XP, citando indústria de transformação, comércio e atividades de transporte (terrestre, aquaviário, aéreo). “Vale lembrar que o estado é um importante produtor de: máquinas e equipamentos; veículos pesados; máquinas e aparelhos elétricos; móveis; produtos químicos; calçados e artigos de couro etc. Os impactos dependerão do tempo que levará para a normalização das operações nas companhias e nos fluxos de distribuição, o que é bastante incerto no momento”, aponta a equipe macro. Assim, por ora, a XP não alterou o cenário base de que o PIB do Brasil crescerá 2,2% em 2024, embora reconheça os efeitos negativos – e incertos – no curto prazo.
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Apoio ao estado
Do lado fiscal, a XP aponta que o regime especial deverá ser utilizado pelo estado do Rio Grande do Sul. Com isso, o estado poderá receber transferências voluntárias da União (com efeitos primários ainda não mensurados), a contratação e o aditamento de operações de crédito, com possibilidade de suspensão do pagamento da dívida (com efeitos não primários entre R$ 1 e R$ 1,5 bilhão por ano), a concessão de garantias, o afastamento dos limites de endividamento e das restrições à criação de despesas.
Cabe destacar que a Câmara dos Deputados aprovou na noite de segunda projeto de decreto legislativo que reconhece o estado de calamidade no Rio Grande do Sul devido às fortes chuvas, abrindo caminho para o envio de recursos federais ao Estado sem que isso afete a meta fiscal do governo. O texto, enviado também na segunda-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso, autoriza o governo a não computar no resultado fiscal os recursos e renúncias destinados à recuperação do Rio Grande do Sul.
(com Reuters)