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Tadáskía: a jornada de uma artista em ascensão

Tadáskía: a jornada de uma artista em ascensão




Com grande repercussão na última Bienal de São Paulo, a jovem artista se utiliza de técnicas, materiais e suportes múltiplos para representar seus sonhos e dedicar seu trabalho às mulheres negras e às pessoas trans A artista posa entre detalhes das obras Arranjo (2019-2023), feita de flores, taboa, bromélia, orquídea e arame (em primeiro plano) e O Amanhecer I (2021), de carvão, grafite e lápis de cor sobre papel (ao fundo)
Ruy Teixeira
“Desde pequena, sonho em ser um cavalo alado.” Da infância para cá, Tadáskía criou asas para voar: aos 30 anos, a artista participa da última edição da Bienal de São Paulo (atualmente em cartaz em Curitiba, no Museu Oscar Niemeyer, resultado de um projeto de itinerância), completa seis meses de representação por uma das principais galerias do país, a Fortes D’Aloia & Gabriel, e segue fabulando um futuro de voos – literais e simbólicos – internacionais.

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Em seu antigo ateliê, Tadáskía escolheu tons de rosa para compor o projeto assinado por Klaus Schmidt, à frente do escritório Kas Arq, e equipe, enquanto a disposição das obras foi pensada ao lado de sua studio manager, Jessica Cinel: ao fundo, Fora do Aquário (2022), carvão e acrílica sobre tecido, e, na lateral, o díptico Sem Título (2023), carvão e pastel seco sobre papel
Ruy Teixeira
Com uma obra marcada pela profunda afinidade com o desenho, a jovem artista em rápida ascensão se utiliza de técnicas, materiais e suportes múltiplos, e por vezes improváveis. De pastel seco a esmalte de unha, de esculturas de taboa a vídeos e fotografia, de conteúdo pictórico a escrita, a produção de Tadáskía não aponta para uma leitura fácil. A ambiguidade feminina e masculina de seu corpo de trabalho é inerente à sua existência trans.
Originária de Santíssimo, bairro no subúrbio carioca, e criada no seio da Igreja Pentecostal, o primeiro contato com os contos de fadas foi ainda criança, quando, internada no hospital, uma palhaça lhe apresentou as fábulas de Jean de La Fontaine. Pouco depois, ela começa a se dedicar à escrita, atividade que acompanha e atravessa sua vida e prática artística desde os 14 anos. “Comecei a escrever porque ficava muito isolada. As crianças da minha rua não gostavam de conviver comigo. Isso passou, mas ainda escrevo todos os dias.”
Hoje, seus chamados “textos-poéticos”, livres da moral do autor francês, integram a obra apresentada na mostra internacional, que em sua passagem pela capital paulista levou o título Ave Preta Mística Mystical Black Bird, e em sua itinerância curitibana se desdobra em Lua Coelho Negra Moon Black Rabbit. Na mesma linha, um terceiro e inédito corpo de trabalho já está em curso: Centopeia Carnaval. Comum a ambas as instalações apresentadas nas mostras da Bienal é a explosão de cores dos desenhos traçados ora de olhos abertos, ora fechados, nem abstratos nem figurativos, oriundos de um lugar no limiar entre material e imaterial. Dentro do casulo colorido do espaço expositivo, as folhas de bordas rasgadas dispostas nas paredes carregam frases bilíngues:
“dedico às irmãs negras e irmãos negros outsiders
às mulheres negras e pessoas trans negras
às pessoas que se importam com as crianças
e às pessoas que são igualmente crianças de coração I dedicate it
to black sisters and black brothers de fora
to black women and black trans people
to people who care about children
and to people who are equally children at heart”
(Ave Preta Mística Mystical Black Bird, 2022)
São linhas das Fábulas de Tadáskía, que ela vislumbra reunir em uma única publicação. “Estou só esperando um editor me convidar”, diverte-se.
Acima, algumas obras em exposição no ateliê: o tríptico Brejo (2019), lápis de cor e grafite sobre papel, o díptico Oceano (2020), carvão, esmalte de unha e lápis de cor sobre papel, e o desenho Baba Dourada (2019), carvão e lápis de cor sobre papel
Ruy Teixeira
Entre a longínqua hospitalização e o atual destaque na Bienal, a pista de decolagem de Tadáskía percorre caminhos férteis: à licenciatura em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) soma um mestrado em Educação pela mesma instituição; trabalhando no educativo do Museu de Arte do Rio (MAR), teve a oportunidade de criar com taboa retirada de uma desmontagem – material que se tornaria marcante em sua produção. O ponto de virada foi o Parque Lage, onde entrou como bolsista em 2019 e atraiu o olhar de Maria Monteiro, da Sé Galeria, que logo lhe ofereceu uma representação. Os motores se aqueceram, Tadáskía estava pronta para decolar. Após a primeira exposição individual na galeria paulistana em 2022, se sucederam, no ano seguinte, mais duas mostras solo, agora em espaços além-mar: Galeria Joan Prats, em Barcelona, seu primeiro voo internacional, e Madragoa, em Lisboa.
O cavalo alado – que hoje se identifica com o “unicórnio preto” da pensadora afro-americana Audre Lorde, autora de Irmã Outsider (Autêntica, 2019, 240 págs.), importante referência para o trabalho Ave Preta Mística – alçou voo até aterrissar na mais importante exposição da América Latina em 2023. Para participar de um evento do porte da Bienal, a artista não só se mudou do Rio de Janeiro para São Paulo como precisou encontrar um ateliê. “Minha studio manager, Jessica Cinel, acertou ao me incentivar a ter um espaço onde produzir e expor meus trabalhos a colecionadores, curadores e profissionais da arte do mundo todo durante a Bienal.” Dito e feito, Tadáskía ganhou os holofotes e ampla repercussão.
Dois dos materiais de trabalho que Tadáskía gosta de usar: pastel seco e carvão
Ruy Teixeira
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Assim como as paredes que abrigam seus desenhos são destinadas à destruição após o encerramento das exposições no Pavilhão da Bienal e no Museu Oscar Niemeyer, o ateliê também teve caráter efêmero: localizado na Barra Funda, bairro paulistano em galopante transformação imobiliária, o imóvel tinha data para ser demolido quando a artista ali se instalou. Hoje, o projeto, assinado por Klaus Schmidt, à frente do escritório Kas Arq, já não existe mais. Essa não é uma questão para Tadáskía, que atualmente vive em espaços de aluguel de curto e longo prazo numa ponte aérea regular entre as duas principais capitais do Sudeste, sem planos para fincar raízes. Pelo contrário, a artista quer se manter aberta às possibilidades que o futuro guarda. “As coisas vão acontecendo e vou abraçando as oportunidades. E agora estou em um momento em que não estava antes, sabe. Podendo escolher.”
A vista das obras no ateliê inclui, ao fundo e no chão, Ave Preta Mística (2022), acrílica e carvão sobre tecido
Ruy Teixeira
Essa liberdade de escolha é revolucionária para uma mulher trans, negra e periférica que, alguns anos atrás, articulava a campanha EAV Para Todes, visando arrecadar fundos para ela e outros artistas estudarem no Parque Lage. Mesmo que não se veja representada nos espaços onde atua – “Ainda somos poucas, somos figuras estranhas nesse cenário”, pontua –, Tadáskía reafirma a importância de se permitir errar, correr riscos e seguir fantasiando. “Recentemente sonhei que tinha comprado uma passagem de avião e estava fazendo as malas para uma viagem internacional.” Qual será o destino? Só nos resta imaginar. À pergunta sobre planos para o futuro ela responde: “Não posso falar. Nunca conto nada antes que se materialize. Mas pode escrever que vem coisa por aí!”
*Matéria originalmente publicada na edição de abril de 2024 da Casa Vogue (CV460), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual, e para assinantes no app Globo Mais.
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Fonte: casa Vogue

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