Alderney, uma pacata ilha britânica localizada no Canal da Mancha é conhecida pela sua extraordinária beleza natural, mas já foi local de um dos únicos campos nazistas em solo britânico – e um inferno na terra para seus milhares de prisioneiros.
Uma nova investigação, ordenada pelo enviado especial do Reino Unido para assuntos pós-Holocausto, Eric Pickles, e liderada por um grupo de especialistas, buscou determinar o número exato de prisioneiros e trabalhadores mortos em Alderney, além de pôr fim às teorias da conspiração e à desinformação em torno da ilha.
As descobertas foram publicadas na quarta-feira (22) e determinaram que o número de mortes foi maior do que o inicialmente documentado após a libertação, porém não encontraram evidências de um “mini-Auschwitz”.
A investigação também apurou por que os criminosos nazistas – os quais, em sua maioria, escaparam da justiça – nunca foram julgados na Grã-Bretanha.
Estendendo-se por quase oito quilômetros quadrados, a ilha foi ocupada pelos nazistas durante a maior parte da Segunda Guerra Mundial. Durante esse período, foram construídos três campos de trabalho forçado e um campo de concentração chamado Lager Sylt.
Quase oito décadas depois, as impressões digitais da ocupação nazista ainda são visíveis na pitoresca ilha, com bunkers, muros antitanque e os famosos túneis de Water Lane, construídos pelas forças de ocupação para armazenar munições e combustível.
De acordo com o conselho de turismo, os residentes de Alderney – que tem uma população de pouco mais de 2.000 habitantes – se reúnem anualmente em maio para um cerimônia em homenagem às vítimas da ilha.
Descrito por Pickles como o “campo de concentração mais ocidental do Terceiro Reich”, as dúvidas sobre a escala do horror que ocorreu na ilha persistiram entre os habitantes locais e também internacionalmente – e o número exato de mortos nunca foi claro, até agora.
As ilhas do Canal da Mancha foram o único território britânico ocupado pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Ao contrário de Jersey e Guernsey – outras ilhas ocupadas pelos nazistas -, Alderney foi totalmente abandonada, o que significa que a ilha não possui registros extensos do período da guerra.
De acordo com Pickles, a falta de registros levou a alegações infundadas sobre Alderney e os crimes de guerra que ocorreram no local.
“Alegações de assassinatos em massa que em qualquer outro lugar seriam verificadas cuidadosamente foram aceitas como verdadeiras”, disse Pickles – que enfatizou a importância da precisão histórica em relação ao Holocausto.
“Testemunhos de atrocidades, sem qualquer evidência de apoio, são dados como fato… O que aconteceu em Alderney foi ruim o suficiente pela brutalidade, sadismo e assassinato, sem a necessidade de aumentar.”
“A verdade pura e simples”
Após a libertação da ilha dos nazistas, os números oficiais de uma investigação do pós-guerra apontavam que o número de mortos era de 389.
Esse número é contestado há muito tempo. Historiadores, membros da comunidade judaica e o público têm estimativas que variam de centenas a milhares.
Também há muitas especulações de que a verdadeira escala do que aconteceu na ilha pode ter sido deliberadamente ocultada pelo governo britânico.
A investigação nega tais teorias. O inquérito concluiu que é improvável que o número de mortes em Alderney tenha excedido 1.134, sendo mais provável que o número de mortes esteja entre 641 e 1.027.
Além disso, pelo menos 97 pessoas morreram e uma desapareceu durante o deslocamento de ida e volta para a ilha.
Segundo o painel, o número mínimo estimado de prisioneiros ou trabalhadores enviados para Alderney durante a ocupação alemã está entre 7.608 e 7.812.
De acordo com a investigação, os campos de Alderney compartilhavam muitas das características dos campos da Europa continental. Os trabalhadores eram mantidos em condições precárias e eram forçados a trabalhar longas horas em obras perigosas. Eles também eram submetidos a espancamentos, mutilações, torturas e, em alguns casos, execuções.
O inquérito concluiu que não há “nenhuma evidência” para argumentar que muitos milhares de vítimas morreram.
As afirmações de que Alderney abrigava um centro de extermínio e constituía um “mini-Auschwitz” também não são verdadeiras, segundo o painel.
“Os prisioneiros eram tratados de forma terrível, e a vida era ruim, mas Alderney não abrigava um ‘mini-Auschwitz’; não havia nenhum centro de extermínio na ilha”, disse Pickles.
Ele acrescentou: “Qualquer pessoa que afirme isso nunca visitou Auschwitz ou entendeu a extensão das fábricas de morte nazistas na Europa Oriental”.
Pickles acredita que a superestimação do número de mortos nas mãos dos nazistas pode ser prejudicial e favorecer os negacionistas do Holocausto.
“Em um momento em que partes da Europa estão tentando limpar sua história por meio do Holocausto, as Ilhas Britânicas devem contar a verdade nua e crua”, disse ele. “Os números são importantes. É uma distorção do Holocausto tanto exagerar o número de mortes quanto subestimar os números.”
“Injustiça flagrante”
Uma parte separada da investigação se concentrou na falha em julgar os crimes de guerra cometidos em Alderney, algo que foi descrito como uma “injustiça flagrante”.
Isso se deu devido à decisão do governo britânico de entregar o caso à União Soviética após a Segunda Guerra Mundial, uma vez que a maioria das vítimas eram cidadãos soviéticos.
Uma pesquisa conduzida por Anthony Glees, acadêmico e conselheiro de Pickles, descobriu que houve uma “sucessão de encobrimentos” por parte do governo britânico, que entregou todos os arquivos de provas de Alderney à União Soviética por meio da Comissão de Crimes de Guerra das Nações Unidas em 12 de setembro de 1945.
A partir daí, a União Soviética decidiu “não fazer nada com as provas”, de acordo com Glees, o que significa que a maioria dos criminosos que torturaram sistematicamente e, em alguns casos, assassinaram suas vítimas, escaparam do julgamento.
Glees acredita que o governo britânico escondeu deliberadamente esse fato do público. Por isso, ele está pedindo que o governo emita um pedido de desculpas.
“Parece pouco compreensível que a Grã-Bretanha, entre todos os países, tenha se recusado a julgar os criminosos de guerra nazistas por atrocidades terríveis cometidas em solo britânico contra cidadãos de cerca de 30 nações”, disse ele.
“Em vez disso, as autoridades britânicas passaram todas as provas que haviam coletado cuidadosamente no chamado ‘Caso Alderney’ para a URSS… mesmo que a URSS não as tenha solicitado e, portanto, aparentemente, violando diretamente as obrigações do tratado internacional da Grã-Bretanha.”
De acordo com Glees, a falta de julgamentos dos criminosos de guerra de Alderney significou uma negação de justiça para as vítimas e suas famílias.
Pickles, por sua vez, disse que o fato de os criminosos nunca terem enfrentado a justiça britânica é uma “mancha na reputação dos governos britânicos sucessivos”.
Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.
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