O indiciamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União), pela Polícia Federal reforça os questionamentos sobre os prós e contras para o governo Lula (PT) em manter o União Brasil em sua base. O partido, fruto de uma fusão entre PSL e DEM, não entrega ao Planalto a fidelidade esperada em votações importantes no Congresso.
O União também controla o Turismo, com Celso Sabino, e tem em sua conta a indicação de Waldez Góes para Integração e Desenvolvimento Regional. Envolto em brigas internas, o partido abriga ao mesmo tempo bolsonaristas, “centristas” e figuras mais próximas ao governo.
Juscelino é deputado federal licenciado e, ao menos até aqui, conta com o apoio de sua bancada na Câmara. Nas últimas horas, não faltaram manifestações de solidariedade de correligionários e da própria legenda.
Levar o União Brasil ao primeiro escalão foi uma decisão pragmática de Lula em busca de governabilidade, uma vez que a sigla tem a terceira maior bancada na Câmara (58 deputados) e a quinta no Senado (7 integrantes).
Na prática, porém, as derrotas de Lula no Legislativo trazem a digital do União e de outros partidos que, embora estejam na Esplanada, frequentemente votam com a oposição, a exemplo de PP e Republicanos.
Um exemplo didático é a sessão conjunta do Congresso Nacional em 28 de maio, dia em que o governo levou golpes marcantes. No principal deles, caiu o veto parcial de Lula ao projeto que acaba com a saída temporária de presos do regime semiaberto para visitar as famílias. Entre os deputados do União, houve 54 votos contra o presidente, 1 a favor e 3 abstenções.
Naquela sessão, o Congresso também manteve o veto de Jair Bolsonaro (PL) que impede a tipificação do crime de comunicação enganosa em massa em período eleitoral (disseminação de fake news), com pena de até cinco anos de reclusão. O União deu 51 votos em prol da decisão do ex-presidente.
Ainda naquele dia, o Legislativo derrubou os vetos de Lula à proibição do uso de verbas do Orçamento para um extenso número de ações, incluindo aborto e cirurgia de transição de gênero. Apenas dois deputados do União votaram com o governo.
A infidelidade do partido, entretanto, não apareceu apenas neste ano. Em votações de significado prático ou simbólico para o governo ao longo de 2023, o União também não se mostrou confiável.
Um exemplo é a acachapante aprovação do projeto de lei do Marco Temporal para demarcação de territórios indígenas. Dos 283 votos favoráveis à matéria, 48 partiram do União (que, por outro lado, deu apenas 2 votos contrários e marcou 9 abstenções).
Posteriormente, Lula barraria o dispositivo central da proposta, mas, novamente, o Parlamento entraria em cena para derrubar o veto. Em 14 de dezembro, o União deu 47 votos para derrotar o presidente e apenas 4 para confirmar a decisão dele, além de contabilizar 8 abstenções.
Para Camilo Aggio, professor e pesquisador da UFMG e PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas, as bases da “fidelidade” do União são as mesmas do conjunto da direita que se convencionou a chamar de Centrão.
“As derrotas recorrentes enfrentadas pelo governo têm a ver com esse próprio embate entre o governo e os interesses do Centrão de ter acesso a cargos, principalmente de primeiro escalão, e comandar orçamentos”, avalia.
Aggio também chama a atenção para o avanço do Legislativo sobre o controle orçamentário do País. “O governo Lula tentou mexer no início e não teve grande sucesso, porque esse modelo já estava profundamente enraizado em razão do modo como Bolsonaro e Paulo Guedes conduziram esse tipo de negociação, terceirizando o trabalho executivo para o Congresso.”
Apesar desses números e do novo revés de Juscelino na Polícia Federal, não há no Palácio do Planalto uma movimentação concreta para cortar os espaços cedidos ao União Brasil.
O indiciamento de Juscelino Filho não significa, porém, que ele será condenado pela Justiça. O ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino encaminhará o relatório da corporação à Procuradoria-Geral da República, que poderá ou não oferecer uma denúncia.
Um eventual desfecho negativo para o chefe das Comunicações colocará à prova o que Lula disse antes da primeira reunião ministerial de seu governo, em 6 de janeiro de 2023: “Quem fizer errado sabe que tem só um jeito: a pessoa será, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo e, se cometeu algo grave, terá que se colocar diante das investigações e da própria Justiça”.
O presidente, contudo, sempre enfatizou a necessidade de respeitar o devido processo legal e assegurar o direito à ampla defesa, após as reiteradas violações das quais foi alvo no curso da Lava Jato.
Em nota, Juscelino Filho afirma que a investigação “concentrou-se em criar uma narrativa de culpabilidade perante a opinião pública, com vazamentos seletivos, sem considerar os fatos objetivos”.