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O território é de quem o discute: o papel da sociedade civil discutido em Coimbra

O território é de quem o discute: o papel da sociedade civil discutido em Coimbra


O território é de quem o discute, o papel da sociedade civil discutido em Coimbra, no sábado, 23 de março, reuniram-se no auditório do mosteiro de Santa Clara-a-Velha, em Coimbra, vários académicos com experiência na gestão do território. A convite da APP2U, a Associação de Arquitetura, Planeamento e Políticas Urbanas, discutiu-se o papel da sociedade civil nos planos e projetos com impacto no território e, indiretamente, na vida dos cidadãos.

O presidente da associação, Daniel Fortuna do Couto, em nota de abertura, lembrou os projetos do Novo Aeroporto de Lisboa e do TGV, em que a participação cívica inconstante, nos processos de decisão, faz descurar das transformações no território que irão acontecer ao redor. Que caminhos podem ser apontados para um maior envolvimento dos cidadãos nos processos de decisão, para que planos e processos sejam mais participados?

De participação pública falou o primeiro painel de convidados, moderado por Fátima Lourenço. A relevância da participação para definir território era unânime: ao contrário do espaço que nos é exterior, o território é um olhar humano sobre esse espaço, que pode ser discutido, no entender do arquiteto Adelino Gonçalves. Cristina Cavaco acrescentou que o território é como uma arena em que se mostra informação relevante, e vários agentes discutem e tomam parte, envolvendo-se nos processos de decisão. Gonçalo Folgado falou mesmo num ciclo, que inclui a monitorização e a avaliação de um plano ou um projeto, e assim consolida-se a cultura de participação, bem como o sentimento de comunidade e de pertença ao território.

Para juntar decisores, atores e utilizadores falta, porém, ultrapassar um conjunto de constrangimentos, que o painel identificou. Num processo de participação pública, os intervenientes movem-se, frequentemente, em interesse próprio. Nas palavras de Isabella Rusconi, a participação é individualista quando é esvaziada de sentido, de uma ideia de serviço público.

Esta tendência é evidente quando, segundo Pedro Bingre do Amaral, decisões como a classificação do solo, para aumentar índices de construção, se traduzem numa súbita valorização imobiliária. É como um tabuleiro de um jogo de monopólio, acrescentou Pedro Bingre do Amaral, em que se colocam casas e hotéis, em que, talvez por pressão da opinião pública, não se pode falar de ganhos financeiros. Assim, decisões de ordenamento do território são frequentemente justificadas com conceitos jurídicos de difícil definição, como o direito ao ambiente, tal como está consagrado na Constituição portuguesa.

O direito à participação cívica apoia-se no direito à informação, tantas vezes referido na mesa redonda. Veja-se o exemplo do RJIGT, o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, que deixa em aberto que meios são utilizados, como lembrou Adelino Gonçalves. A falta de informação foi várias vezes apontada pelo painel, na medida em que compromete a transparência nos processos de decisão. Pedro Bingre do Amaral lembrou, a título de exemplo, o desconhecimento dos proprietários de grande parte do território nacional, assim como o cadastro de propriedade atualizada, cuja conclusão sucessivos governos têm posto na agenda.

No segundo painel da mesa redonda, moderado por Rui Florentino, falou-se da cultura de planeamento. Álvaro Domingues, conhecendo várias gerações de planos de ordenamento de território, lamentou o presentismo, que faz olhar para o espaço de forma simplista, segundo os temas mais mediáticos de cada momento. Nas palavras do geógrafo, a realidade é filtrada por determinada maneira de pensar, que muda continuamente. Assim, em vez de serem executados a longo prazo, os planos recaem numa acumulação de temas que compromete a eficácia da
gestão do território.

Paradoxalmente, vários planos eficazes, designadamente os Planos Diretores Municipais, inserem-se numa lógica de planeamento mono funcional, com polígonos que favorecem determinados usos do solo. Esta preocupação foi apresentada por José António Bandeirinha, que acrescentou como a aplicação de índices de edificação, relacionadas com a densidade populacional, podem não refletir dinâmicas como o despovoamento de várias zonas dos centros históricos. José António Bandeirinha não se revê, porém, no planeamento mais permissivo, que permite a dispersão de atividades como a indústria e a logística em espaços rurais e florestais, à semelhança do que aconteceu em Portugal, no fim do século passado.

Entre o laissez-faire e a rigidez dos planos, haverá fórmulas de equilíbrio? Maria do Rosário Anjos falou na tendência para a compartimentação do espaço, entre leis que vigoram sobre áreas muitas vezes estanques entre si. O direito do urbanismo fica, pois, fechado entre a Constituição e a lei de bases, pelo que nem sempre é cumprido. Faltaria uma fé inabalável para recorrer de incumprimentos legais, junto do Tribunal Constitucional, porque as decisões são morosas.

Vários elementos do painel referiram a falência do Estado na política territorial: há carências não só na justiça, mas também na própria capacidade de criar e implementar planos. Falha, portanto, o Estado como dono de obra, como referiu Álvaro Domingues. Já Pedro Ribeiro da Silva vai mais longe, tecendo uma ligação com a questão da participação, abordada no primeiro painel: na cultura da democracia, a cultura de planeamento está em regressão.

A qualidade da democracia pode ser transportada para a qualidade da cidade. Entre os dois painéis de oradores, quais são as propostas para alterar o Estado da Arte, na gestão territorial? Para Cristina Cavaco, deve haver uma aposta na literacia territorial, junto da sociedade civil, promovida por entidades como a APP2U. Com mais conhecimento, haverá melhores decisões no território, mesmo com vários graus de participação pública. Nas palavras de Isabella Rusconi, processos mais inclusivos e participados, irão contribuir para uma forma de inteligência coletiva, tão necessária em territórios fragmentados – quando também a opinião pública se parece dividir em temas fundamentais.

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Fonte: Espaço da Arquitetura

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