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a cara do Brasil que trabalha demais e ganha de menos – Sociedade – CartaCapital

a cara do Brasil que trabalha demais e ganha de menos – Sociedade – CartaCapital


Ao passar por um supermercado no próximo final de semana, observe as pessoas que estarão trabalhando. Todas provavelmente cumprem a escala 6×1, que exige dedicação de seis dias por semana. Mais de dois terços dos trabalhadores formais no país estão submetidos a essa rotina, muitas vezes com salários que não ultrapassam dois salários mínimos mensais.

A escala 6×1 se tornou um dos temas mais debatidos nas redes sociais depois que a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) começou a coletar assinaturas para pautar a tramitação de um projeto de lei que busca a extinção da escala. A pressão foi tanta que até o direitoso União Brasil se sentiu obrigado a apoiar o projeto.

Com 216 assinaturas, 46 a mais do que as necessárias para começar a tramitação, o PL movimentou o Congresso e motivou uma série de protestos pelo País. O debate foi temporariamente ofuscado, contudo por um atentado contra o STF cometido pelo bolsonarista Francisco Luiz – ironicamente, no exato momento em que Hilton dava uma entrevista sobre o assunto.  

Um levantamento exclusivo da Lagom Data para a CartaCapital mostra que 82% dos trabalhadores do comércio e serviços em escala 6×1 ganham menos de dois salários mínimos mensais. Entre mulheres pretas e pardas, esse índice chega a 90%.

Essas condições de trabalho são especialmente prevalentes em Estados como Santa Catarina, onde 80% dos contratos formais seguem a escala 6×1. Já em regiões como Goiás, Mato Grosso e Rondônia, cerca de 75% dos trabalhadores estão nessa situação. Por outro lado, no Maranhão, pouco mais da metade dos contratos exigem jornadas superiores a 40 horas semanais.

O impacto financeiro é ainda mais evidente quando se observa a faixa salarial. Dos trabalhadores formais com contratos superiores a 40 horas por semana:

  • 65% ganham até dois salários mínimos.
  • 42% recebem até 1,5 salário mínimo (cerca de 2,1 mil reais).

Diferenças de gênero e raça expõem ainda mais essa desigualdade. Enquanto apenas 27% dos homens brancos nessa faixa salarial trabalham seis dias por semana, esse percentual salta para 60% entre mulheres pretas.

Um mergulho nos números

Os dados do emprego formal no Brasil, organizados na Relação Anual de Informações Sociais, a RAIS, e no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Caged, não indicam quantos dias da semana cada pessoa trabalha, mas trazem a informação de quantas horas semanais está previsto que a pessoa trabalhe. Trata-se aqui de quem tem carteira assinada, porque os trabalhadores do setor informal não têm sequer a garantia de horas semanais máximas previstas pela CLT.

Supondo que os contratos obedeçam à CLT e se trabalhe até 8h por dia, quem certamente trabalha no final de semana é quem têm contratos com mais de 40h semanais. Esses contratos representam 65,8%, ou quase dois terços, dos que estavam vigentes no Brasil em 2022, data da última RAIS. Eram nada menos do que 32 milhões de pessoas com carteira assinada. 

Pode haver pessoas que trabalham seis dias por semana em contratos com menos horas – digamos, alguém com um contrato de 30 horas pode estar convocado para trabalhar cinco horas por dia de segunda a sábado. Os dados do Ministério do Trabalho, contudo, não permitem saber quantos contratos estão nessas condições. 

Os contratos com mais de 40 horas são mais comuns em alguns estados do que em outros. Em Santa Catarina, 80% dos contratos formais são 6×1. Em Goiás, Mato Grosso e Rondônia, quase três a cada quatro contratos formais são nesse regime. Na outra ponta, pouco mais da metade dos contratos no Maranhão exige mais de 40 horas semanais.

Desses trabalhadores que estão à disposição do empregador por mais de 40 horas semanais, 65% ganham menos de dois salários mínimos, ou 2.824 reais. Mas, se descermos um pouco e formos olhar a faixa até 1,5 salário mínimo (2,1 mil reais), são 42% dos trabalhadores, ou 13,7 milhões. 

Ainda assim, o sexo e a cor influem: apenas pouco mais de um a cada quatro homens brancos que trabalham seis dias por semana ganham até um mínimo e meio; entre as mulheres pretas, são três a cada cinco.

Um argumento bastante comum a respeito dos salários baixos é o da escolaridade dos trabalhadores. De fato, no Brasil, pessoas com o ensino superior completo têm mais chance de acessarem melhores condições salariais do que quem tem menos escolaridade. 

Nos contratos 6×1 que pagam até 2 salários mínimos, como de resto no mercado de trabalho formal inteiro, a maioria dos trabalhadores tem o ensino médio completo. Mas também há pessoas graduadas. Embora haja numericamente menos mulheres do que homens trabalhando seis dias por semana para ganhar menos de R$ 2.842, há 370 mil mulheres e 173 mil homens nessa condição profissional mesmo tendo completado no mínimo uma graduação. 

As jornadas de trabalho mais extenuantes com os piores salários tendem a se concentrar em alguns setores. No comércio, por exemplo, os trabalhadores que atendem aos finais de semana provavelmente ganham menos de R$ 2,1 mil – quase 82% nessa escala recebem este salário. Já entre os funcionários públicos que trabalham mais de 40h semanais, pouco mais de um a cada quatro ganha tão mal. 

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Se formos olhar por gênero e cor/raça o que acontece com os trabalhadores do comércio, o quadro será bem semelhante ao que se vê acima:

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O mito da (im)produtividade

Um dos argumentos frequentemente usados para justificar salários baixos no Brasil é a baixa produtividade dos trabalhadores. Economistas liberais atribuem isso à escolaridade insuficiente, mas há outro fator: a estrutura econômica desindustrializada e focada em exportações de commodities.

O problema é que o cálculo da produtividade é um cálculo bruto: divide-se o PIB total pelo número de horas trabalhadas. Estes dados, portanto, dependem sobretudo da estrutura do mercado de trabalho e da economia brasileira como um todo (desindustrializada e focada na exportação de commodities agrícolas e minerais). Se o Brasil exporta minério de ferro e importa celulares, cada aparelho vendido no Brasil aumenta o PIB de outros países e reduz o brasileiro, numerador da fração. 

Reduzir a carga horária semanal poderia oferecer um retrato mais realista da produtividade. Mas o principal efeito positivo dessa medida estará nos ganhos de qualidade de vida para quem hoje vende quase todos os seus dias em troca de salários muitas vezes incompatíveis com o esforço.



Fonte: Carta Capital

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