Construído após a grande enchente de 1941, o aterro Praia de Belas, em Porto Alegre, é uma das áreas que está alagada desde o fim da semana passada e não há previsão de quando começará a baixar.
A tragédia de oito décadas atrás e a que se repetiu em 1967 mobilizaram o poder público de diferentes esferas para a construção de um grande sistema de proteção contra o avanço das águas dos rios que banham a Capital e parte das cidades vizinhas.
Ainda assim, nem essa estrutura, nem o modelo de aterro executado foram suficientes para evitar a repetição do cenário, que espalhou água onde ficam casas, prédios públicos, empresas, ruas e avenidas.
O mesmo acontece no restante da área aterrada em Porto Alegre, que compreende partes do Centro Histórico e da região chamada de 4º Distrito. O trecho aterrado que costeia o Guaíba e o Jacuí do centro ao norte, e a área da cidade banhada pelo Gravataí, no limite com Canoas e Cachoeirinha, são protegidos pelo sistema de proteção que elevou o terreno e é composto por diques, comportas e o Muro da Mauá, interligados à estrutura de drenagem urbana.
“Sem o sistema teria sido pior”, avalia o engenheiro ambiental e hidrólogo Iporã Possantti sobre a eficácia da proteção contra cheias existente. Isso não significa, no entanto, que tenha funcionado a pleno: bairros inteiros ou parcialmente alagados expõem falhas que nem sempre são visíveis.
A água que o Jacuí recebe dos afluentes há mais de uma semana não atingiu a cota de 6 metros, o que levaria ao transbordamento – no caso mais emblemático, seria passar por cima do muro da Mauá. Mas ela existe em volume e está ocupando seu espaço de outra maneira.
Nos bairros Menino Deus, Praia de Belas, Cidade Baixa, Centro, Floresta, São Geraldo, Navegantes e Humaitá, está vertendo por bueiros por onde, em situações normais, escoa a água da chuva para o sistema de drenagem. No Navegantes se soma ao rompimento de uma das comportas. Mais ao norte, no bairro Sarandi e no entorno do Aeroporto, a água resulta do extravasamento dos diques. Territórios vizinhos a estes citados também sofrem reflexo da cheia.
Também atingidos, os bairros na costa sul e extremo sul e o Arquipélago, formado pelas Ilhas do Delta do Jacuí, foram inundados, ou seja, a água passou da margem – essas áreas não integram o sistema de proteção contra cheias.
“Aterro ou não, a questão é que são áreas muito alagadiças, muito baixas, mesmo onde não é aterrado, por exemplo na Zona Norte, na várzea do Rio Gravataí, no Aeroporto, no Menino Deus e na Cidade Baixa”, explica Possantti.
A altura desses territórios é o altitude, que vai de zero – nível de início da medição do Guaíba junto ao Cais Mauá – a 300 metros no Morro Santana, ponto mais alto de Porto Alegre. Conforme Possantti, “acabamos ocupando essa área mais baixa e ainda por cima avançando, aterrando, ocupando áreas mais planas”.
“Quando se diz que o nível está estável, é fora da cidade. Essa informação vira uma desinformação se não for explicada direito” alerta Iporã Possantti, que é doutorando no Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Ufrgs. Ele explica que a água seguirá entrando na cidade até atingir um ponto de equilíbrio em relação ao nível do lado de fora do sistema de proteção.
A água que está acumulada resulta da falha de funcionamento do sistema de proteção contra cheias, que, ao não funcionar a pleno, não estancou a inundação, mas atrasou a cheia em alguns dias. Caso não houvesse nenhuma barreira, a inundação teria acontecido de forma contínua até estabilizar o nível. Como o sistema falhou, muitas tubulações reverteram água, comportas e diques vazaram.