Em meio às sucessivas derrotas legislativas do governo Lula, uma, em particular, demonstra a força dos setores mais retrógrados do Congresso. No fim de maio, a oposição conseguiu derrubar 28 vetos do presidente na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024. Nos trechos mantidos pelos parlamentares, destacam-se iniciativas que ameaçam os movimentos sociais e os direitos da população LGBTQIA+ e das mulheres. Sob o pretexto de defender o direito à propriedade e os valores da família cristã, o deputado Eduardo Bolsonaro propôs, e seus colegas aprovaram, a criação de dispositivos que proíbem a União de realizar despesas destinadas à “invasão ou ocupação de propriedades rurais privadas”, “cirurgias em crianças e adolescentes para mudança de sexo” e “realização de aborto, exceto nos casos autorizados em lei”. O coro dos bolsonaristas, exultantes com a “conquista”, ecoou pelo Parlamento: “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”.
Boa parte dos jabutis reacionários incluídos na LDO não têm aplicabilidade prática. “São uns ineptos”, observa o advogado Paulo Iotti, doutor em Direito Constitucional e autor da ação que resultou no reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da homotransfobia como crime de racismo. No trecho sobre “cirurgias de mudança de sexo em crianças”, por exemplo, o Conselho Federal de Medicina já regulamentou o tema e reconhece a existência de crianças transexuais. Estabelece, porém, que qualquer tipo de cirurgia de redesignação de gênero só pode ser realizada após a maioridade. Presidente do Grupo Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero, Iotti acredita que o intuito da turma é fazer uma “guerra cultural e promover o ódio” contra determinadas tendências. “Se a ideia é proibir escolas de garantir igualdade e direitos às crianças e adolescentes que se entendem como LGBTs, impedir que seja enfrentado o bullying homofóbico, transfóbico e machista, não há dúvida de que isso é inconstitucional.”