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‘Cashback’ torna mais caro e ineficiente o que Bolsa Família já faz

‘Cashback’ torna mais caro e ineficiente o que Bolsa Família já faz


De boas ideias o inferno está cheio, diz o ditado. E a proposta da reforma tributária de devolução de impostos (“cashback”) nas contas de energia elétrica, água, esgoto e gás natural é uma delas.

A essência do projeto é excelente: diminuir a incidência de impostos sobre as famílias mais pobres da sociedade. Essa proposta contemplaria as famílias com renda per capita de até meio salário mínimo inscritas no Cadastro Único, o mesmo parâmetro usado para o Bolsa Família. Mas ela falha por criar mais burocracia, o que vai tornar o processo muito mais caro e ineficiente do que simplesmente aumentar o valor do Bolsa Família.

Sabemos há anos que a melhor política social da história brasileira é o Bolsa Família, que faz exatamente isso, transferência de renda na veia com resultados surpreendentes, como melhorar o nível educacional das comunidades, não só das famílias que o recebem.

O Bolsa Família chega até a aumentar o nível de emprego formal, especialmente em cidades pobres -um incremento de 10% no número de beneficiários acrescenta 1% ao total de vagas com carteira assinada.

Se o Bolsa Família é tão bom, por que não simplesmente aumentar o valor do benefício em vez de criar barreiras, já que as famílias receberiam o reembolso somente depois de apresentar notas fiscais?

O programa de “cashback” falha por duas razões: cria estorvo para as famílias e burocracia nova para o Estado. Tudo isso para fazer o que o Bolsa Família já faz: entregar renda diretamente.

Já sabemos que transferências de renda incondicionais são tão boas quanto as condicionais, resultado robusto de pesquisas científicas nas últimas décadas. Por que diabos o governo está voltando a criar condicionantes, baseadas em consumo, quando sabemos que isso não é a forma mais eficiente de fazer políticas sociais?

O único benefício desse programa seria a formalização da relação de compra, pois as famílias mais pobres teriam de apresentar notas fiscais dos bens e serviços. Mas isso chega a ser quase um absurdo, pois transformaria essas famílias em fiscais do governo. O governo não consegue fiscalizar se botijões de gás são vendidos com notas fiscais e coloca o trabalho na conta dos mais pobres.

Para evitar fraudes, o governo também vai ter de criar sistemas de verificação de compatibilidade entre consumo e renda, senão vai ter gente apresentando notas fiscais de R$ 100 milhões.

O objetivo da medida é, em parte, “estimular a cidadania fiscal e mitigar a informalidade nas atividades econômicas, a sonegação fiscal e a concorrência desleal”. Mas essa é talvez a pior forma de fazê-lo, pois requer a criação de novos sistemas burocráticos e ainda gera fricções de compras e vendas para as famílias mais pobres, exatamente aquelas que deveriam ser mais livres para tentar melhorar de vida, não ficar gerenciando se pegou as notas fiscais para depois perder tempo na solicitação de reembolso. E uma família vivendo de favor, a que mais precisa, não vai ter direito a nada.

O tempo das famílias mais pobres não é de graça. Sistemas burocráticos custam dinheiro. A possibilidade de fraude aumenta sobremaneira.

O governo deveria esquecer essa ideia de “cashback” e simplesmente aumentar a renda dos mais pobres. Ou talvez subsidiar mais as tarifas sociais de energia elétrica (já que o sistema já existe).

Sabemos onde a criação de nova burocracia no Brasil dá. Em ineficiência e corrupção. Pode ser que dê certo, mas eu não apostaria uma nota fiscal nisso.



Fonte: Jornal do Comércio

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