Bernardo Guimarães: Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP
Como noticiou a Folha nesta semana, projetos de lei que enfraquecem a legislação ambiental e podem abrir caminho para o desmatamento estão ganhando força no Congresso Nacional.
Uma legislação mais frouxa permite mais atividade econômica na região (agricultura ou mineração), trazendo benefícios às pessoas envolvidas nessas atividades. Esses benefícios aparecem no curto prazo.
Os custos de uma legislação mais frouxa demoram mais para aparecer e afetam toda a sociedade. Por isso tendem a estar em desvantagem nas quedas de braço da política.
Todos nós entendemos que o desmatamento põe em risco espécies de plantas e animais e contribui para piorar a qualidade de vida no país e no planeta.
Os custos econômicos do desmatamento, porém, nem sempre recebem atenção.
Um exemplo importante é o efeito do desmatamento na produção de energia no país. Em um ano, o impacto é pequeno, nem conseguimos detectar. Após algumas décadas, porém, o efeito aparece e não vai embora.
Estima-se que a floresta amazônica seja responsável por um terço das chuvas na região e por uma fração considerável das chuvas em outras partes da América Latina (cerca de um sexto das chuvas na bacia do rio da Prata).
As bacias do Amazonas e do rio da Prata são responsáveis por 70% da capacidade instalada de gerar energia hidrelétrica, que é a maior fonte de energia no Brasil.
Com menos florestas, temos menos chuva, menos força dos rios para girar as turbinas e menor geração de energia.
Estimar esses custos requer combinar análise econômica com modelos climáticos.
Em primeiro lugar, é preciso estimar o efeito do desmatamento nas chuvas. Para isso, é preciso construir um modelo climático e alimentá-lo com dados sobre as trajetórias dos ventos, umidade e chuvas.
Depois, é preciso estimar o efeito do volume de chuvas nos rios e no potencial de gerar energia elétrica.
Trabalho recente de Rafael Araújo faz exatamente isso e mostra que o efeito negativo do desmatamento na geração de energia não é só uma possibilidade teórica.
O trabalho utiliza o caso da usina hidrelétrica Teles Pires, no norte de Mato Grosso, responsável por gerar energia para abastecer 13 milhões de pessoas. Por sua localização, o fluxo de água na usina é muito influenciado pelo desmatamento na Amazônia.
O caso é particularmente interessante porque as projeções de gerar energia, baseadas na média histórica de chuvas, se revelaram otimistas demais. A usina começou a operar em 2015 e em 2021 já estava pedindo socorro ao BNDES e suspendendo temporariamente pagamentos de dívidas por causa de uma crise hídrica.
Desde os anos 1980, parte da floresta foi desmatada, e o volume de chuvas vem diminuindo. Araújo estima que isso tenha reduzido em 10% o potencial de geração de energia da usina Teles Pires, em média.
O trabalho foca em uma única usina por questões técnicas, mas o ponto é mais geral. Minha impressão é que os custos do desmatamento na geração de energia podem corresponder a uma parte considerável dos benefícios econômicos privados de quem desmata e usa a terra.
Nas discussões do momento, o meio ambiente parece ser assunto importante quando a pauta é subsidiar a indústria para a transição energética e a economia verde, mas não tem relevância quando a proposta é tributar o que gera poluição ou proibir o que gera ganhos econômicos no curto prazo.
É uma pena, inclusive porque proteger o meio ambiente gera benefícios econômicos importantes no médio e longo prazo.