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Empatia em tempos de dor

Empatia em tempos de dor



Sandro Eduardo

O estado do Rio Grande do Sul enfrenta uma situação de calamidade sem precedentes. As enchentes e inundações devastadoras deixaram um rastro de destruição que abalou profundamente a vida de milhares de pessoas. Nesse cenário, as interações humanas ganham uma relevância singular, onde uns acolhem e ajudam, enquanto outros são acolhidos e ajudados.

Recentemente, como voluntário em abrigos, tive a oportunidade de testemunhar essa dinâmica de perto. Em uma dessas experiências, fui designado para cuidar de um banheiro com dois chuveiros, organizando o banho masculino. Minha função era simples: controlar a entrada e saída dos homens, garantindo que apenas parentes entrassem juntos, pois a ordem era uma pessoa por vez, a menos que fossem familiares. Enquanto aguardavam a sua vez, eu perguntava: “E você, amigo, qual a sua história?”

Essas perguntas despretensiosas abriram portas para relatos profundos e emocionantes. Homens de São Lourenço, Porto Alegre, Eldorado do Sul e Canoas compartilharam suas experiências das últimas horas e minutos das inundações. O desejo de contar o que viveram era evidente e seus olhos refletiam emoções intensas – tristeza profunda, gratidão por estarem vivos, e um misto de alívio e desespero.

O que mais me surpreendeu foi a diversidade de pessoas com quem conversei. Religiosos, esperançosos, desesperançados, pessoas desconfiadas e até membros de facções criminosas, que falavam comigo como um amigo próximo. Independentemente de suas origens, todos tinham algo em comum: a necessidade de serem ouvidos, de mostrarem o porquê e como pararam naquela situação.

Nesses momentos, ficou claro que ouvir de forma genuína e sem julgamentos não é apenas necessário, mas essencial e respeitoso. Dar conselhos em tais circunstâncias é um erro grave. As pessoas querem expor suas angústias, compartilhar as proezas que as salvaram, expressar raiva e tristeza pelo presente e pelo futuro incerto. E cabe aqui um alerta: além dessa vibração negativa que estamos todos vivendo nesse Estado assolado por tamanha devastação, a sociedade não se desvincula da economia e o impacto dessa tragédia é e será geral, traumatizante e duradoura.

Por isso, não devolva o que você não viveu. Frases como “você deve agradecer por estar vivo”, “essas coisas acontecem para a vida melhorar”, “iso é apenas uma lição passageira” ou “coisas materiais se recuperam” são de uma ignorância enorme e causam um prejuízo emocional tremendo a quem está sofrendo. Nesses momentos, a empatia não é uma tarefa fácil. Colocar-se no lugar do outro pode parecer uma ideia lúdica e até pretensiosa, especialmente em uma catástrofe dessa magnitude.

A ajuda ativa daqueles que estão salvando vidas e colocando as suas próprias em risco nas áreas de inundações é um ato verdadeiro, de pura coragem e humanidade. Há também os profissionais da saúde mental trabalhando nos casos que demandam cuidados específicos, e os voluntários que se solidarizam, doam, recebem as pessoas desabrigadas e as ajudam nos abrigos.
Além de auxiliar, servir e dar suporte, o verdadeiro apoio vem da disposição de ouvir sem julgar, de se voluntariar para estar presente e disponível sem clichês ou tentativas de sentir o que o outro sente sem ter vivido o mínimo da mesma dor. É hora de abrir espaços para escutar e, se for para falar, que seja para dignificar a força de viver dos impactados. As palavras realmente empáticas são aquelas que reconhecem a magnitude da perda e da dor sem comparações ou minimizações.

A empatia, em tempos de catástrofe, pode se tornar uma palavra solta, sem verdade. Ajudar essas pessoas não é se colocar no lugar delas, nem tentar sentir o que elas sentem. Requer a disposição de agir, de estar ao lado, de apoiar e, principalmente, de ouvir. Pois, às vezes, a maior ajuda que podemos oferecer é simplesmente estar presente e permitir que o outro compartilhe sua história.



Fonte: Jornal do Comércio

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