A população mais pobre, negra e com menor escolaridade é aquela que mais sofreu perdas de patrimônio e de renda nas enchentes dos últimos dois meses no Rio Grande do Sul. É o que mostra uma pesquisa Datafolha que ouviu gaúchos sobre os efeitos do que é considerado o maior desastre climático na história do Estado.
Nas cidades atingidas pelas inundações, quase metade (47%) das famílias que ganham até dois salários mínimos respondeu ter perdido casa, móveis, eletrodomésticos ou o próprio sustento -na forma do emprego ou da própria empresa. Já entre aquelas que ganham de cinco a dez salários, só 13% relatam algum tipo de prejuízo.
Além disso, mais da metade (52%) dos pretos nos municípios afetados relata algum tipo de perda com as enchentes. Entre os pardos, 40% respondem que teve algum tipo de prejuízo. Entre a população branca dessas mesmas cidades, a proporção de entrevistados que relata alguma perda material ou de renda é de 26%.
O Datafolha reforçou as entrevistas no Rio Grande do Sul para conseguir um enfoque mais preciso na população atingida. Com 567 entrevistas no Estado, a margem de erro máxima para essa amostra é de 4 pontos percentuais para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%. Para a região metropolitana de Porto Alegre a margem de erro é de 5 pontos, e nas cidades gaúchas do interior é de 7 pontos.
Em comparação com brancos e pardos, os pretos são o único grupo que destoa da média da população quando respondem se tiveram de deixar suas casas durante as enchentes. Enquanto 14% dos gaúchos dizem que foram expulsos pela inundação, entre os pretos essa proporção é de 24%, ou praticamente um em cada quatro.
Situação semelhante ocorreu entre os entrevistados com os menores níveis de escolaridade. Daqueles que estudaram até o Ensino Fundamental, 46% relataram prejuízo com as enchentes. É uma diferença de 20 pontos percentuais em relação àqueles que têm nível superior: entre estes, 26% dizem ter perdido algum patrimônio ou a fonte de sustento com a tragédia.
Os dados confirmam um aspecto já enfatizado em outras pesquisas científicas sobre as mudanças climáticas, que é a probabilidade maior de que eventos extremos atinjam mais as populações que já são vulneráveis do ponto de vista socioeconômico.
O arquiteto e urbanista William Mog, assessor técnico do Ministério Público gaúcho, diz que a proporção maior de pobres, pardos e pretos entre os afetados por tragédias climáticas é um padrão nacional pela dificuldade de acesso dessas populações à moradia formal.
“Essas famílias não poderiam estar nessas áreas, à beira de rios ou nas encostas de morros, do ponto de vista da legislação ambiental. E o fato de estarem ali é um indicativo de que elas não têm condição de entrar no mercado imobiliário formal, não têm dinheiro para isso”, ele diz. “Essas áreas estão fora do mercado formal justamente por serem suscetíveis às cheias, a deslizamentos.”
Morador da Vila Nova Brasília, na zona norte de Porto Alegre, Juarez Gonçalves da Silva, 70, está vivendo temporariamente na casa de uma das filhas, no Quilombo dos Machado, território quilombola localizado no bairro Sarandi. A casa dele foi inundada.
“Quando vi, a água já estava dentro de casa, só deu tempo de pegar a televisão e o rádio. O resto ficou tudo embaixo d’água. Perdi fogão, geladeira, armário, colchão, tudo”.
Aposentado, Juarez foi catador de papel e nunca frequentou a escola. Com pouca renda, ele aguarda a aprovação do auxílio governamental para poder voltar para casa, onde vive com outra filha e três netos.
O Datafolha também mostra que moradores da Capital e da região metropolitana foram mais afetados do que as cidades do interior. A diferença é de dez pontos percentuais: 36% na Grande Porto Alegre dizem ter perdido patrimônio ou renda, contra 26% nas demais regiões.
Além disso, na população gaúcha como um todo, mulheres relatam prejuízos com as enchentes em maior proporção. A diferença ocorre principalmente no caso da perda do emprego ou das bases de sustentação da própria empresa: 22% das mulheres gaúchas entrevistadas disseram ter perdido o próprio sustento, e 17% dos homens responderam o mesmo.