O tijolo é um dos materiais mais antigos e versáteis na construção civil, indo além das simples paredes de alvenaria. Suas origens remontam a 7500 a.C., com exemplares cozidos em fornos surgindo por volta de 3000 a.C., representando um avanço tecnológico para edifícios mais resistentes. Espalhando-se pela Europa e Ásia por volta de 1200 a.C., substituíram materiais como madeira e pedra em regiões escassas. Os tijolos romanos, notáveis por seu formato comprido, foram amplamente utilizados na construção de suas cidades, perdurando ainda hoje. A história dos tijolos se entrelaça com a das civilizações, sendo um material de fácil produção, resistente e versátil, permitindo uma infinidade de aplicações e alcançando resultados impressionantes e inusitados.
Projetada pelo Coletivo de Arquitetos, a Residência Thai exemplifica as múltiplas possibilidades que o tijolo oferece na arquitetura contemporânea. Situada em uma área litorânea no estado de Sergipe, essa residência não só exemplifica a estética do material, mas também sua funcionalidade e adaptabilidade às condições locais. Uma das características mais marcantes do projeto é a implantação em dois blocos distintos. O pavilhão principal abriga a maior parte do programa da casa, enquanto um segundo bloco conectado abriga a área gourmet, serviços e garagem. Essa configuração proporciona uma distribuição inteligente dos espaços e uma integração harmoniosa com o entorno.
O projeto busca equacionar os desafios locais de insolação excessiva e direcionamento dos ventos, seguindo as orientações do seminal “Roteiro para construir no Nordeste”, trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco em 1976, por Armando de Holanda. Estratégias como beirais, varandas, brises e descolamentos entre volumes foram adotadas para garantir o conforto climático no interior da residência. A implantação do bloco principal no sentido Leste – Oeste protege a casa da incidência direta do sol, enquanto aberturas estrategicamente posicionadas promovem a ventilação cruzada e a iluminação natural.
Especificamente na materialidade, o tijolo desempenha um papel central no projeto, conferindo não apenas resistência estrutural, mas também beleza estética e conforto térmico. Sua utilização em diferentes formas e texturas, como nas paredes de alvenaria, coberturas cerâmicas e elementos vazados, demonstra a versatilidade desse material milenar. Conversamos com Gustavo Fontes, um dos sócios do escritório, sobre como a utilização de um mesmo elemento pôde criar distintas emoções no decorrer do projeto.
Eduardo Souza (ArchDaily): Pode falar sobre o porquê da escolha do tijolo neste projeto?
Gustavo Fontes: A escolha do tijolo neste projeto foi cuidadosamente considerada por várias razões. Em primeiro lugar, se integra organicamente ao ambiente local e à proposta estética que estávamos desenvolvendo. Além disso, atendeu à necessidade dos clientes de ter uma casa confortável e que envelhecesse bem.
Optamos por utilizar o material de maneiras diversas, desde paredes até elementos de sombreamento e passagem de vento, contribuindo para uma ventilação natural e eficiente.
A decisão também levou em conta aspectos práticos, como a facilidade de manutenção e a longevidade do material. Escolhemos um tijolo de alta qualidade, compacto e proveniente de Minas Gerais, que, embora tenha um custo inicial um pouco mais elevado, se mostrou economicamente vantajoso a longo prazo.
O material dispensa a necessidade de reboco ou pintura, o que reduz custos adicionais e simplifica a manutenção ao longo dos anos. Em resumo, a escolha do tijolo neste projeto foi uma combinação de considerações estéticas, funcionais e econômicas que se alinharam perfeitamente com a visão e as necessidades dos clientes.
ES: Como o material foi importante para a contextualização da obra e para atingir bons resultados de conforto térmico?
GF: O uso do tijolo foi fundamental neste projeto por diversos motivos. Além de ser uma composição que apreciamos bastante aqui no escritório, ele desempenha um papel crucial na estética e na funcionalidade da casa. A simplicidade geral da residência é complementada pela combinação entre o branco predominante das paredes e a cerâmica dos tijolos e das telhas, criando um visual interessante que agrada tanto a nós quanto aos clientes. Estes, em particular, têm um apreço pela rusticidade e pelo charme que a cerâmica traz para a casa, tanto em termos de estrutura quanto de ornamentação. Portanto, a escolha do tijolo cerâmico fazia todo o sentido para atender a essa preferência.
Além disso, o tijolo desempenha um papel importante no conforto térmico da residência, especialmente durante o verão. O desenho trançado permite bloquear eficientemente o sol da tarde, criando sombra e mantendo a área fresca e agradável para os moradores e visitantes.
Embora o material não tenha uma capacidade térmica excepcional devido à sua espessura, a estratégia de sombreamento externo protege as paredes da carga térmica excessiva, mantendo o interior confortável.
ES: Quais os tipos de paginação foram empregadas na obra? O que cada uma representa?
GF: O uso do tijolo na residência é bastante diversificado, manifestando-se em quatro formas distintas, e reflete uma preocupação não apenas com a estética, mas também com a funcionalidade e a adaptabilidade às necessidades específicas de cada área. Primeiramente, adotamos o trançado com transpasse de ventilação, semelhante a um cobogó, que não apenas embeleza, mas também favorece a circulação de ar, proporcionando um ambiente mais arejado e confortável.
Em seguida, empregamos a amarração tradicional para as vedações, seguindo uma paginação convencional que confere estabilidade estrutural e uniformidade estética. Nas extremidades das fachadas, exploramos uma terceira dimensão, criando volumes que acrescentam um apelo visual diferenciado, mesmo que sua função principal seja estética, sem um propósito funcional específico. Além disso, na área da piscina, optamos por uma quarta modulação de tijolos, criando um deck que não só se distingue visualmente, mas também proporciona uma experiência única e convidativa ao redor da piscina.
ES: Como foi a recepção da mão de obra ao trabalhar com as diversas formas de paginação do material?
GF: A mão de obra estava um pouco apreensiva no início, já que não estavam tão familiarizados com esse tipo específico de tijolo, que era menos poroso e mais resistente do que o comumente utilizado na região. Isso demandou mais tempo e cuidado na execução do trabalho. Antes do início do projeto, tivemos várias conversas com a equipe responsável pela execução para garantir que estivessem preparados para o desafio. Uma única pessoa foi encarregada de fazer todas as amarrações dos tijolos, e enfatizei a importância de selecionar um bom profissional e os tijolos mais adequados, mesmo que isso exigisse mais tempo.
Desenvolvemos um gabarito para garantir a consistência na espessura da massa entre as peças, estabelecendo um padrão de dois centímetros e meio, e essa medida foi determinada após pesquisas e testes para garantir a aderência adequada dos tijolos. Optamos por não utilizar travas de ferro em prumadas, mas por uma fixação rígida na viga com adesivo estrutural e argamassa AC3, que oferece uma aderência superior. Essa decisão foi tomada após uma extensa pesquisa e garantiu uma estrutura sólida e estável, sem comprometer a estética do projeto.
Para comunicar o projeto da melhor forma, foram feitas simulações tridimensionais da paginação e realizei uma amostra inicial com a equipe no canteiro de obras, garantindo que todos estivessem alinhados com o padrão estabelecido. Essa interação direta foi fundamental para assegurar a qualidade e o sucesso do trabalho.
ES: Há algum tipo de tratamento no material? Quais cuidados devem ser tomados?
GF: Optamos por aplicar um tratamento único de hidrofugante nas paredes de tijolo. Inicialmente, consideramos utilizar o hidrofugante disponível na olaria local, porém, devido ao custo significativo, decidimos adquirir um produto de uma marca similar, que foi validado pelos fornecedores como uma opção de qualidade. A primeira demão foi aplicada no início da obra e, até o momento, não foi necessária nenhuma reaplicação.
Considerações sobre as amarrações são fundamentais. Dependendo da complexidade da estrutura e da disposição dos panos de parede, pode ser necessário reforçar com pontos de ferro e grauteamento em algumas colunas para garantir a estabilidade e segurança do conjunto. É crucial que a estrutura esteja devidamente travada para evitar qualquer risco de instabilidade. Por exemplo, no reservatório de água, onde temos quatro lados, conseguimos uma fixação mais tranquila, o que proporciona uma estrutura mais rígida. Porém, na garagem, com panos mais retos, havia uma preocupação maior, mas felizmente tudo correu bem.
A importância do material, especialmente do tijolo, é indiscutível. Não se trata apenas de qualquer tijolo, mas sim de um tijolo resistente e de qualidade. Estamos satisfeitos com a escolha do tijolo proveniente de Minas Gerais, pois o material local não teria o mesmo aspecto uniforme e durabilidade que buscávamos. Quanto ao uso do tijolinho no deck da piscina, foi uma solução improvisada devido ao material que sobrou da obra. Embora não seja o ideal para piso, optamos por aproveitá-lo, mas é importante ressaltar que esse tipo de tijolo requer manutenção regular, como a aplicação de hidrofugante a cada seis meses, para preservar sua aparência e durabilidade. Portanto, apesar de possível, é necessário estar ciente das exigências de manutenção ao utilizar tijolos em áreas de piso, como no deck da piscina.
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