Maior arquipélago fluviomarinho do mundo, a Ilha de Marajó ora é lembrada pela deslumbrante paisagem, ora pela sensacionalista cobertura dos casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Trata-se de uma realidade lamentavelmente presente nas regiões de maior vulnerabilidade social do País, mas o drama marajoara tem sido amplificado pela mídia, a comprar pelo valor de face os devaneios da ex-ministra e hoje senadora Damares Alves, com uma fértil imaginação para descrever horrores jamais denunciados às autoridades nem vistos pela população local. O estigma prejudica não apenas o turismo, uma das principais fontes de receita da região, mas também a formulação de políticas públicas adequadas para os gigantescos (e reais) desafios dos municípios de Marajó, que figuram entre os piores no ranking nacional do Índice de Desenvolvimento Humano.
Enquanto o governo Bolsonaro desperdiçou tempo a discutir a instalação de “fábricas de calcinhas” para proteger as meninas de predadores sexuais, a maior parte das escolas ribeirinhas do arquipélago continuava sem acesso a água tratada e energia elétrica. Atualmente, mais de 15 mil alunos em Marajó enfrentam problemas com a inadequação de saneamento nas escolas, revela um levantamento inédito da ONG Habitat Brasil. Nos últimos 12 meses, a entidade vistoriou 398 escolas com até 50 alunos de 16 municípios da região. Do total, 93% não tem abastecimento público de água para consumo humano, 60% não possuía tratamento de esgoto – 149 não tinha sequer banheiro – e 89% não conta com serviço de coleta de resíduos sólidos. “Na ausência de banheiros adequados, muitas escolas usam latrinas, e algumas nem isso têm. As crianças precisam ir ao mato”, relata Mohema Rolim, gerente de Programas da Habitat Brasil.