O secretário municipal de Desenvolvimento Social, Leo Voigt, compareceu voluntariamente na Câmara Municipal de Porto Alegre nesta segunda-feira (29) para prestar esclarecimentos sobre o incêndio ocorrido na última sexta-feira (26) em uma das sedes da Pousada Garoa. A instituição possuía contrato com a prefeitura para o abrigo de pessoas em situação de vulnerabilidade social. Além dele, responderam a questionamentos dos parlamentares o procurador-geral do município, Roberto Rocha, o diretor-geral da Defesa Civil, coronel Evaldo Rodrigues Júnior, o titular da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), Cristiano Roratto, e o secretário municipal de Saúde Fernando Ritter.
Em uma fala inicial, Voigt considerou o incêndio como uma “extrema derrota” para as políticas públicas de abrigamento, citando a dificuldade de convencimento em retirar a população em vulnerabilidade social das ruas. No entanto, cita que a recepção dessa população em pousadas foi uma iniciativa de sucesso, pois foi aderida por grande parte das pessoas que resistiam às demais formas de acolhimento, principalmente por permitir o acesso a um quarto individual, assim como a ausência de regramentos como toques de recolher.
“Imaginávamos que mais instituições se inscreveriam (no processo de licitação por credenciamento) e, para a nossa surpresa, apenas a Pousada Garoa se inscreveu, cumprindo todos os requisitos”, afirmou em defesa da escolha pelo estabelecimento para o contrato com o Executivo, alegando, ainda, que os empresários não desejam atender esse público.
Sobre o incêndio e as más condições de habitação na instituição, argumentou que “talvez tenhamos que descontinuar esse tipo de prestação de serviços”. Finalizando que, “embora as pessoas são livres para se autodeterminar, a verdade é que viver nas ruas não é um direito humano”.
Parlamentares divergiram nas opiniões
À fala do secretário seguiram as manifestações de grande parte dos parlamentares. Em defesa do prefeito Sebastião Melo (MDB), a vereadora Lourdes Sprenger (MDB) afirmou que a situação das pousadas “não era tão ruim assim”. Como justificativa, alegou que o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) possuía contratos com a instituição.
A fala da parlamentar foi interrompida pelo vereador Roberto Robaina (PSOL) que a chamou de racista e, em seu tempo de pronunciamento na tribuna, afirmou que ela não se importava com a população em situação de vulnerabilidade “por serem pobres”. Em relação ao GHC, o vereador Adeli Sell (PT) informou ter entrado em contato com membros da administração, incluindo o ex-vereador João Motta.
A posição apresentada por eles ao petista foi de que “o GHC tinha convênio porque foi feito no governo anterior (do ex-presidente Jair Bolsonaro, pelo PL), nunca foi utilizado e nem repassado nenhum valor. Inclusive, o convênio foi rescindido na última semana”.
A vice-líder do governo, Cláudia Araújo (PSD) complementou a defesa, dizendo que, em setembro havia sido realizada uma fiscalização na Pousada, sendo averiguado que ela “apresentava condições, mesmo que não seja das melhores”. Reiterando que a instituição foi a única a se candidatar no edital, ela questionou se “aqueles que criticam” achariam melhor “deixar essas pessoas na rua”.
Apesar disso, partidos da base de Melo também fizeram questionamentos contundentes. “Talvez a gente tenha que dar uma atenção diferenciada para a legislação, para as licitações”, pontuou a vereadora Fernanda Barth (PL), citando, ainda, que a Lei de Liberdade Econômica dispensava apenas o alvará e não o Plano de Prevenção Contra Incêndios (PPCI).
Lideranças entraram em embate
O líder do governo na Câmara, vereador Idenir Cecchim (MDB) realizou uma crítica à oposição após afirmar que nenhum dos parlamentares teriam prestado solidariedade ou ido ao velório coletivo das vítimas do incêndio. “Eu vejo a oposição numa disputa terrível para ver quem protocolava um pedido de CPI antes. Eu tô até achando que o vereador Robaina está nervoso durante a tarde de hoje porque ele perdeu a chance de protocolar antes que a vereadora Abgail”, reclamou.
Em determinado momento, Cecchim chamou a oposição de “urubus de plantão”, dizendo que “eles acreditam na desgraça” e estavam “esperando uma carniça”. “Esperem enterrar os falecidos, descobrir quem são. Para vocês não interessa quem são (as vítimas), interessa que tenha cadáveres. Não querem saber o nome, não querem saber de onde vieram, eles querem saber se tem cadáver”, complementou.
Nesse momento, o líder da oposição, Robaina, se dirigiu à frente da tribuna, onde gritou com Cecchim em uma discussão acalorada. Ao acalmarem os ânimos, ainda revoltado, relatou ao vereador Cassiá Carpes (Cidadania), ter se indignado pelo termo “urubu” e pelas falas afirmarem que a oposição queria que mortes acontecessem.
A vereadora Mari Pimentel (Republicanos) foi a próxima a utilizar a tribuna após a discussão. Em sua fala, afirmou que as lideranças estariam “polarizando um tema que era uma tragédia para Porto Alegre, mas que deve ser, sim, fiscalizado e que deve ser, sim, tema aqui na Câmara de Vereadores”.
Convidados prestam esclarecimentos
Após as falas dos parlamentares, o o procurador-geral do município, Roberto Rocha, explicou que é necessário ouvir as pessoas, dando o direito amplo e constitucional de defesa. Ele ainda ressaltou a diferença entre o Plano de Prevenção Contra Incêndios e o alvará de funcionamento. Alegando que são áreas distintas e que “em momento algum, o poder publico municipal eximiu a empresa da responsabilidade”.
Já Voigt defendeu sua pasta dizendo que uma fiscalização na sede da Pousada Garoa que incendiou teria sido feita em 5 de julho de 2023 e que os únicos problemas constatados seriam a falta de pintura e azulejos em algumas partes. Ele ainda afirmou que “o valor pago pelo município é R$ 18,00 a diária, com um valor tão espartano, é claro que teremos condições franciscanas na pousada”. Para ele, algumas medidas para evitar novas tragédias seriam uma remuneração melhor do contrato e a necessidade de identificação de quem frequenta as pousadas.
Nesse momento, chegou a chamar as pousadas que abrigam população de rua de “Casa da Mãe Joana”, em que “qualquer um entra e sai” sem identificação alguma. Em diversos momentos, Voigt citou o ingresso de uma pessoa “com algum tipo de carga, algum tipo de bolsa, e saindo cinco minutos depois”, se referindo à hipótese de que o incêndio tenha sido criminoso. “Será inócuo ter extintor de incêndio se um incendiário entrar com uma bomba, a empresa vai incendiar, vai pegar fogo, e foi isso que aconteceu na pousada, muito provavelmente”, completou.
A vereadora Mari Pimentel, em seu pronunciamento, havia mencionado essa possibilidade, trazida por Voigt, criticando que “independente se foi criminoso ou não, as condições (da Pousada Garoa) com certeza potencializaram o desfecho trágico”.