Após ficar 41 dias fechado, um dos mais tradicionais pontos da capital gaúcha começa a reabrir, ainda tímido e sem esconder as cicatrizes da inundação ocorrida em maio. No fim de semana, 15 das 104 lojas do Mercado Público de Porto Alegre reiniciaram as atividades. E a expectativa é de que na próxima terça-feira (18), 60% dos negócios já estejam operando. A retomada é gradual.
A partir desta semana o Mercado Público de Porto Alegre funcionará das 8h às 19h. Aos domingos, o horário de atendimento será das 9h às 15h.
Prestes a completar 155 anos, o mais antigo mercado público do Brasil, fundado em 3 de outubro de 1869, traduz o ritmo da pulsação no Centro Histórico. Mas depende também do entorno para que o fluxo volte ao normal. A frequência, portanto, ainda é baixa. E justifica as expressões e manifestações de expectativa, ansiedade, receios e esperança por comerciantes.
Neste sábado (15), os comércios localizados nos corredores internos ainda trabalhavam para se reconstruir e organizar. O acesso do público era restrito a algumas áreas e aos restaurantes do 2º andar e do térreo. Nesses locais, a movimentação de funcionários era intensa para a abertura, às 11h.
Alguns negócios com portas para as ruas procuravam atrair as poucas pessoas que circulavam pela região. Havia também armazém, pastelaria, açougue, lotérica, loja de produtos para pets e lancherias, entre outros, que tentavam superar o trauma e olhar para a frente.
Fabiano Nicolini, sócio do Armazém Doce, na avenida Mauá, tentava mostrar otimismo, ainda que o espaço que ocupa há nove anos estivesse vazio de clientes. A água subiu mais de um metro dentro da loja e causou mais danos do que ele imaginava.
Sem Trensurb, movimento é fraco nos primeiros dias de reabertura do Mercado Público, diz Fabiano Nicolini
NATHAN LEMOS/ESPECIAL/JC
“Estava tudo revirado. Perdemos muita coisa. Vamos precisar de apoio. Recebíamos cerca de 500 pessoas por dia, que faziam pequenas compras. Uma água, um biscoito. No primeiro dia de reabertura, não chegamos nem a 15 clientes. E, sem sistema na máquina de cartão, determinadas vendas não se completaram. Tentei salvar algumas, com pix, mas tem gente que não usa”, contou.
Uma dificuldade para a intensificação dos negócios foi relatada por diversos comerciantes. Com a estação do Trensurb fechada, grande parte do movimento ficou comprometida. Por ali chegam e saem muitas pessoas de municípios da Região Metropolitana, que fazem girar a economia no Mercado Público e em outros estabelecimentos do Centro.
Geovani Buarque de Souza, sócio há 35 anos na Lancheria Luz, estabelecida desde 1966, tinha um misto de preocupação, alívio e esperança. Quando retornou ao estabelecimento após as águas baixarem, o cenário era desanimador. Mas com o apoio da equipe de funcionários, conseguiu estar em condições para voltar a servir seus pastéis feitos na hora, lanches e pratos. “Estamos buscando crédito para podermos continuar. Não vai ser fácil”.
Sentado em uma das mesas do local, o aposentado Renato Inácio Junges repetia um hábito interrompido no dia 3 de maio, quando o espaço foi fechado. Concentrado nas páginas do jornal, ele procurava se inteirar sobre as notícias do dia, como faz há décadas na lancheria.
“Venho aqui há muitos anos. Frequento o Mercado Público desde pequeno, com meu pai. Foi triste ver isso tudo fechado e os estragos causados pela enchente. Mas o homem não está respeitando os sinais da natureza. Temos de prestar atenção para que situações como essa não aconteçam de novo“, enfatizou.
Após incêndio com perda total há dois anos, Zimmer tenta sobreviver a enchente
NATHAN LEMOS/JC
Exemplo de aprendizado e resiliência, o empresário Roberto Zimmer e a esposa, Vera, fazem o recomeço do recomeço. Desde o incêndio de julho de 2022, que consumiu todos os 600 metros quadrados da agropecuária e pet shop da família, aberta em 1976, eles procuraram se reorganizar, pagar as contas e preservar a honra. Em abril, abriram novo espaço, muito menor, em uma das esquinas do Mercado Público. E funcionaram por 24 dias, até que a catástrofe climática os atingiu novamente. A água chegou a 1m44cm na loja.
“Não havíamos sequer pago as mercadorias que tínhamos aqui, pois estávamos no primeiro mês de funcionamento. O movimento era razoável, considerando o pouco tempo de atividade. Vamos seguir trabalhando”, afirmou Zimmer.
Mas Vera não escondeu desconforto quanto às dificuldades de acesso a novos financiamentos para enfrentamento à crise, propalados pelo governo federal e que, segundo ela, não chegam aos comerciantes de menor porte. “Trava nos bancos. Fizemos de tudo, andamos por diversos agentes financeiros. Mas está difícil. Vamos vender carro para seguir em frente de novo“.
Com o comércio nas veias e no DNA, o marido procurava mostrar força e não perdeu a oportunidade de convidar o público a conhecer a loja e a comprar. “Estamos abertos, de novo. Renovando expectativas. Mas precisando demais que as pessoas saibam que estamos aqui, funcionando, querendo recebê-las“.