A cobrança de impostos no Brasil é historicamente injusta. Pesa mais sobre os pobres do que sobre os ricos, pois o grosso da arrecadação nasce do consumo e não da renda ou do patrimônio – na Europa e nos Estados Unidos, é o contrário. Essa desigualdade alcança até mesmo o regime especial de taxação dos pequenos negócios, o Simples, maior fonte de renúncia tributária do País.
Um relatório feito pela Controladoria Geral da União constatou: 15 milhões de brasileiros da alta renda, os 10% mais ricos, tiram mais proveito do Simples do que 100 milhões que integram os 40% mais pobres.
Isso acontece porque a maioria das micro e pequenas empresas beneficiadas pelo Simples atende a clientes de renda mais alta, como academias de ginástica, hotéis, agências de viagem, casas de espetáculos, joalherias, escolas, cursos de idiomas, corretores de seguros, médicos e dentistas.
Por essa razão, a CGU recomenda aumentar a alíquota e reduzir o faturamento máximo permitido para adesão ao Simples para atividades voltadas aos mais ricos. “Na medida em que são direcionados para a população mais rica, uma eventual alteração de preços [nessas atividades] teria um impacto menor na demanda se comparado a setores destinados predominantemente para os mais pobres”, afirma o relatório.
Criado em 2006, durante o primeiro governo Lula, o Simples unificou impostos federais, estaduais e municipais em uma única alíquota, variando de 4% a 33%, com uma cobrança máxima efetiva de 21%, segundo a CGU. Para aderir ao regime, a empresa não pode faturar mais de 4,8 milhões de reais por ano ou 400 mil mensais, limite estabelecido em 2016.
Segundo a lei do orçamento federal de 2024, o Simples fará o Brasil deixar de arrecadar 125 bilhões de reais em 2024. A quantia representa cerca de 25% de toda a renúncia tributária do ano. Estão no regime especial 22 milhões de empresas, de acordo com a Receita Federal.
A análise da CGU utilizou dados de 2018 da Receita Federal sobre o Simples (arrecadação e perfil das empresas no regime) e da Pesquisa de Orçamento Familiar, o mais recente levantamento desse gênero realizado pelo IBGE.
No caso do perfil das empresas do Simples, o trabalho selecionou 36 atividades econômicas de um total de 97. A justificativa é que o grupo escolhido contém firmas que, de fato, produzem bens e serviços vendidos diretamente aos consumidores e têm peso maior no orçamento destes consumidores.
Por fim, a avaliação adotou como medida de desigualdade um critério mais ou menos comum pelo mundo: comparar a situação dos 10% mais ricos com a dos 40% mais pobres.
A conclusão é que, no caso dos 10% de cima, aquelas 15 milhões de pessoas que tiram proveito dos benefícios fiscais dados a empresas do Simples tiveram em média um ganho individual de 934 reais em 2018. Enquanto que, no caso dos 100 milhões dos 40% do andar de baixo, o ganho foi de 119 reais.
“A dimensão da equidade é relevante uma vez que a política tributária de um país tem a capacidade de influenciar o bem-estar da sua população por interferir em seus hábitos de consumo”, diz o relatório, ao defender que haja uma mudança do desenho do Simples.
Para diminuir a iniquidade, a CGU sugere “aumento escalonado da alíquota dos setores direcionados prioritariamente para a camada mais rica da população” e “diminuição do patamar de faturamento para os níveis observados internacionalmente para países emergentes, na faixa de 2 milhões de reais”.
Em junho de 2023, o presidente Lula criou um grupo de trabalho para revisar as regras do Simples. O grupo tinha quatro meses para concluir o trabalho, prazo prorrogado por mais quatro meses, vencendo em fevereiro de 2024. Segundo o Ministério da Micro e Pequena Empresa, o grupo ainda está ativo e não concluiu a missão.