Felipe Savassi se destaca como um misto de projetista e comunicador no cenário da arquitetura brasileira. Ele divide sua paixão por arquitetura e sua visão empreendedora com seus milhares de alunos e seguidores nas redes sociais, com um conteúdo que busca impulsionar uma abordagem centrada na promoção da construção industrializada e modular. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto Isabela Hendrix em Belo Horizonte, sua atuação profissional é sustentada por quatro pilares essenciais: concepção e execução de projetos arquitetônicos, educação, mentorias e consultorias, além de um forte engajamento na comunicação e divulgação de conteúdo.
O setor da construção civil é notoriamente tradicional e resistente a mudanças. Por isso, a comunicação é um pilar central da minha estratégia. Para enfrentar os desafios e superar as barreiras atuais, como preconceitos arraigados e práticas obsoletas, é crucial priorizar a educação e promover um diálogo aberto. Meu compromisso é demonstrar que existem métodos de construção inovadores e eficazes disponíveis. Existe uma demanda do mercado por soluções que abordem os problemas recorrentes da construção convencional, como atrasos, estouros de orçamento, desperdício e falta de consistência na qualidade, além da escassez de mão-de-obra qualificada. A industrialização emerge como a única abordagem sustentável para impulsionar o avanço do setor. – Felipe Savassi
Na entrevista a seguir, ele compartilha uma visão abrangente sobre possibilidades de mudança do setor da construção civil, com um foco específico nas possibilidades de tornar os processos mais eficientes e industrializados no contexto brasileiro.
Eduardo Souza (ArchDaily): Como você vê a necessidade de mudança na mentalidade brasileira em relação à adoção da arquitetura modular, considerando a predominância de técnicas tradicionais de construção e a escassez crescente de mão de obra qualificada?
Felipe Savassi: É verdade que o setor da construção civil foi um dos que menos evoluiu nas últimas décadas, e isso se deve a uma série de fatores. As técnicas artesanais e a alta demanda por mão-de-obra têm minado a produtividade e eficiência do setor, resultando em atrasos, orçamentos inflados e qualidade comprometida. Além disso, há um impacto ambiental considerável, com cerca de 30% dos materiais utilizados sendo desperdiçados. O desafio da mão-de-obra é particularmente agudo, pois não estamos vendo a renovação necessária nas gerações mais jovens, que estão relutantes em trabalhar em condições adversas e com remuneração insatisfatória. Estudos indicam um possível “apagão” de mão-de-obra nos próximos anos se o mercado continuar a crescer sem mudanças significativas. A industrialização dos processos construtivos, incluindo a arquitetura modular, apresenta-se como a solução mais viável para superar esses obstáculos e modernizar o setor.
A arquitetura modular, em países desenvolvidos, é frequentemente associada à eficiência e à qualidade devido à mão de obra especializada. No Brasil, a resistência à mudança é em parte cultural e em parte econômica.
As técnicas tradicionais de construção, embora mais baratas inicialmente, resultam em custos indiretos significativos, como atrasos, desperdício de materiais e qualidade inconsistente. A adoção da arquitetura modular no Brasil é uma necessidade urgente, não apenas para melhorar a eficiência e a sustentabilidade do setor, mas também para enfrentar a escassez crescente de mão de obra qualificada. A transição para práticas construtivas mais modernas e industrializadas pode ser acelerada por meio de incentivos governamentais, investimentos em educação técnica e uma mudança na percepção pública sobre a construção modular.
ES: Em relação às construções modulares, quais soluções mais eficazes (internas ou externas) você tem visto funcionarem com sucesso? Quais os principais ingredientes para um projeto de sucesso?
FS: As soluções modulares que têm demonstrado maior eficácia são aquelas que combinam flexibilidade, sustentabilidade e adaptabilidade. A construção híbrida, que integra elementos modulares com técnicas tradicionais, tem se destacado por sua capacidade de se adaptar às necessidades específicas de cada projeto.
Os principais ingredientes para o sucesso de um projeto modular incluem um planejamento detalhado, colaboração entre todas as partes envolvidas, uso de materiais de alta qualidade e um processo de fabricação controlado.
Além disso, a capacidade de personalizar e escalar soluções conforme a demanda do projeto é crucial. A chave é a flexibilidade para escolher o grau de industrialização que oferece o melhor retorno sobre o investimento, seja ele 10%, 50% ou até 100% do projeto. A abordagem modular deve ser vista como um espectro de possibilidades, e não como uma solução única para todos os cenários.
ES: Como pode-se adaptar as construções modulares para lidar com condições climáticas extremas, como calor ou frio intenso, umidade, entre outros? E quão duráveis elas podem ser?
FS: A modularidade oferece soluções altamente adaptáveis para enfrentar condições climáticas extremas. O uso de paineis isotérmicos, como os SIPs (Structural Insulated Panels), proporciona um desempenho térmico superior, sendo até cinco vezes mais eficiente que a alvenaria tradicional. Para climas extremos, seja de calor ou frio, é essencial reforçar as soluções de fechamento e isolamento, aumentando a espessura e a densidade dos componentes para melhorar o desempenho. No caso da umidade, a estratégia passa por evitar o contato direto das edificações com o solo, elevando-as pelo menos 50 cm acima do nível do solo e aplicando tratamentos de impermeabilização adequados. Além disso, a maioria dos materiais utilizados na construção modular é hidrorepelente, o que contribui para uma melhor gestão da umidade.
As estruturas modulares são projetadas para atender ou superar as normas de desempenho estabelecidas, como a NBR 15575, garantindo uma vida útil mínima de 50 anos. Em condições climáticas desafiadoras, como áreas litorâneas com maresia ou locais com alta umidade ou temperaturas elevadas, são necessários cuidados adicionais na seleção de materiais e sistemas de proteção. Os componentes e sistemas industrializados tendem a apresentar uma durabilidade maior e necessidade de manutenção inferior às das construções tradicionais. Por exemplo, componentes industrializados para fachadas em áreas litorâneas podem oferecer garantias de até 30 anos na pintura, em contraste com as soluções tradicionais que exigem manutenção frequente.
Para o transporte, os materiais mais eficazes de uma casa modular são aqueles que, quando corretamente calculados e especificados, mantêm a integridade estrutural durante o deslocamento e a montagem. Aço, madeira engenheirada e concreto são comumente utilizados devido à sua resistência e durabilidade. A especificação correta garante que os materiais suportem as tensões do transporte e do içamento sem comprometer a estrutura final.
ES: De que forma tecnologias como a impressão 3D e a Inteligência Artificial podem impactar no campo da construção?
FS: A impressão 3D tem o potencial de revolucionar a construção modular ao permitir a fabricação de componentes personalizados com precisão e eficiência. A técnica é particularmente benéfica para a produção de componentes painelizados que podem ser transportados e montados no local da construção, otimizando o processo e reduzindo a necessidade de transporte de equipamentos pesados. A combinação de impressão 3D com outros sistemas e materiais resulta em soluções híbridas que podem oferecer um excelente custo-benefício e flexibilidade no design final da edificação.
A inteligência artificial (IA) está se tornando um fator transformador na construção modular, com um impacto significativo em várias etapas do processo construtivo. No design, a IA pode auxiliar na otimização de layouts, na simulação de desempenho energético e na integração de sistemas prediais, garantindo eficiência desde a concepção. Na fabricação, pode melhorar a precisão dos componentes produzidos, reduzir o desperdício de materiais e agilizar a produção através da automação avançada. Na montagem, a IA contribui para a logística, coordenando a entrega e a montagem de módulos de forma mais eficiente, além de fornecer assistência robótica no canteiro de obras, melhorando a segurança e a velocidade de execução. A inteligência artificial representará uma mudança significativa em diversas áreas, e seu impacto na construção civil, especialmente na arquitetura, onde trabalho diretamente, será especialmente marcante.
Acredito que o trabalho do arquiteto vai ser um dos mais impactados com o uso da IA. A forma de atuação vai sofrer grande transformação e quem não estiver preparado para isso certamente vai ficar fora do mercado.
É fundamental entender que a construção modular e industrializada não exige uma abordagem absoluta; ela é flexível e adaptável. A integração de sistemas modulares pode variar de acordo com as necessidades específicas de cada projeto, permitindo uma transição suave entre métodos tradicionais e modernos. Essa flexibilidade é crucial para a aceitação do mercado, especialmente diante da escassez de mão-de-obra qualificada. A modularidade não é uma solução única, mas sim um espectro de opções que podem ser adaptadas para otimizar a construção, tornando-a mais sustentável, eficiente e acessível. À medida que a indústria avança, a adoção de práticas modulares e industrializadas se tornará cada vez mais prevalente, impulsionando a inovação e a evolução do setor da construção civil.
Este artigo é parte dos Temas do ArchDaily: Habitação modular. Mensalmente, exploramos um tema em profundidade através de artigos, entrevistas, notícias e projetos de arquitetura. Convidamos você a conhecer mais sobre os temas do ArchDaily. E, como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossas leitoras e leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.