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A pressa: maior inimiga dos grandes projetos

A pressa: maior inimiga dos grandes projetos


Com um texto objetivo, exemplos surpreendentes e argumentos bem documentados, é fácil ver por que o prestigiado colunista do Financial Times Martin Wolf incluiu na sua lista de melhores lançamentos de 2023 o livro How Big Things Get Done: The Surprising Factors Behind Every Successful Project, from Home Renovations to Space Exploration , da Currency (selo da editora Penguin House) – publicado em português com o título “Como Fazer Grandes Coisas”, pela editora gaúcha Citadel.

Reunindo desde relatos sobre reforma de casas à construção do edifício Empire State e à popularização de geradores de energia solar, os autores Bent Flyvbjerg e Dan Gardner explicam por que a grande maioria dos grandes projetos falha no prazo, no orçamento ou nas promessas que justificaram sua realização. E dão sugestões para que isso não aconteça.

Flyvbjerg, geógrafo de formação, professor em Oxford, é considerado o maior especialista mundial em grandes projetos e consultor de governos e multinacionais. Aliado ao jornalista best-seller Dan Gardner, conta lições acumuladas em sua base de dados com informações sobre 13 mil projetos em 20 diferentes áreas, de 136 países.

A primeira delas: a pressa em partir para a execução de planos ambiciosos é um erro fatal, um dos maiores responsáveis por fazer com que 95% dos grandes projetos descumpram prazos ou orçamentos, e que apenas 0,5% respeitem custos e tempo previstos de execução, entregando, ainda, os benefícios que justificaram sua realização.

No primeiro esforço para avaliar o desempenho de grandes projetos, quando sua base de dados continha pouco menos de 260 exemplos, Flyvbjerg constatou que nove entre dez estimativas de custos se revelavam equivocadas: nas ferrovias, o estouro chegava, em média a 45% do orçamento; em pontes e túneis, 34%, e, nas estradas, 20%.

Com projetos de tecnologia de informação, como a montagem de grandes bases de dados e serviços automatizados, “os números eram tão lúgubres que teria de haver uma enorme melhoria para que projetos de TI chegassem ao nível pavoroso dos projetos de transportes”, diz o livro.

“Voltamos nossa pesquisa para megaeventos como os Jogos Olímpicos, e tivemos o mesmo resultado”, informam Flyvbjerg e Gardner. O mesmo se deu com grandes represas, foguetes, Defesa, energia nuclear, projetos de óleo e gás, mineração. “Até algo comum como construção e museus, salas de concerto e arranha-céus se encaixavam no padrão. Eu fiquei perplexo” conta Flyvbjerg.

A primeira lição do livro é “pense devagar, aja rápido”. Parece um conselho banal, mas Flyvbjerg mostra como a tendência a encurtar o prazo de planejamento na ânsia de pôr as mãos à obra está por trás do fracasso bilionário do trem-bala na Califórnia, dos enormes prejuízos na construção da icônica Opera House em Sydney e centenas de outras grandes obras.

A ideia de que cada grande projeto é único, ou a pretensão de impressionar os contemporâneos com algo nunca feito – muitas vezes por razões políticas – levam muitos responsáveis por grandes obras a minimizar a possibilidade de aprender com os erros de projetos mais modestos na mesma categoria dos que estão sendo planejados.

Livro usa base de dados com informações sobre 13 mil projetos

Boa parte do livro é dedicada a mostrar como, longe de aumentar custos e prazos, um cuidadoso planejamento, com a busca de referências de custos e prazo em obras da mesma categoria, e medidas de mitigação de risco podem assegurar tranquilidade e satisfação na execução de projetos.

Lamentavelmente, os autores não chegam a tratar do efeito da corrupção nas decisões sobre obras públicas. Mas mostram fartos exemplos de como a simples ambição política já é capaz de subestimar problemas e alimentar fracassos em grandes projetos.

“Projetos não dão errado; começam errado”, defende o autor, citando uma lição de Abraham Lincoln: “se me derem cinco minutos para derrubar uma árvore, vou passar três afiando o machado”.

Quanto mais rápida a execução, menor a possibilidade de fatos graves e imprevistos, os “cisnes negros”, que podem fazer fracassar projetos meritórios, relata o livro. Não raramente, a falta de planejamento faz com que executores de uma obra, seja uma estrada seja uma reforma na casa, percam de vista qual é, de fato, seu objetivo com o projeto em execução, criando custos que poderiam ser evitados.

Ter em mente, de forma clara, o que se pretende com os projetos é um ponto essencial no planejamento, e permite a seus executores balancear alternativas, avaliar melhor as soluções apontadas e antecipar problemas, evitando decisões custosas e irrevogáveis. A prioridade ao “lado direito” da planilha de execução, onde fica o objetivo final, permite checar, em cada etapa, se as opções surgidas durante a obra atendem a essa prioridade.

Nesse processo, outro procedimento desejável é a experimentação, seja de forma concreta, seja em modelos virtuais, para permitir a previsão ou descoberta de problemas antes ignorados. Flyvbjerg usa o exemplo da Pixar, que obteve de partida um estrondoso sucesso de seus filmes dedicando generosos orçamento e tempo a esboços menos elaborados da obra final.

No caso de obras mais difíceis de realizar em modelos virtuais, como projetos de geração de energia, uma solução ideal, cada vez mais adotada, é o que os autores chamam de “modelo Lego”, a divisão de cada obra em módulos replicáveis e capazes de aumentar de escala com base em um modelo básico, inicial. Essa solução permite um aprendizado precioso durante a execução de projetos, e reduz o alcance dos problemas inesperados.

Foi o que permitiu, por exemplo, a rápida expansão da rede de energia eólica na Dinamarca, exemplo para o mundo. Em dez anos, a dependência de combustíveis fósseis no país caiu de 72% para 24% e a fatia de energia eólica subiu de 18% para 56%.

Sintonizado com os novos desafios na economia e na sociedade, o “How Big Things Get Done” termina com uma defesa apaixonada do investimento em energia sustentável e da urgência de medidas contra o avanço do aquecimento global.

É colossal o volume de investimentos necessário. As medidas defendidas no livro, argumentam seus autores, permitiriam um ganho de eficiência nunca visto, mas absolutamente necessário para cumprir as metas definidas em encontros multilaterais como a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente que acaba de se realizar nos Emirados Árabes.

O último capítulo, enumera princípios úteis para a boa execução de projetos, como a necessidade de se cercar de equipes competentes e motivá-las, e alimentar com antecedência relações que possam dar apoio quando seus projetos não correm como o esperado. O maior fator de risco, porém, segundo alerta Flivbjerg, é você mesmo, e seus vieses cognitivos, que podem levá-lo a subestimar os desafios e fechar os ouvidos a conselhos e exemplos de gente experiente.



Fonte: Neofeed

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