Desde o lançamento do ChatGPT, há uma euforia com o uso de inteligência artificial (IA). Para os investidores, o momento é saber quais são as empresas que podem surfar essa nova onda.
Richard Clode, portfólio manager da gestora britânica Janus Henderson, que detém US$ 335 bilhões sob gestão*, é um dos gestores que está analisando a tendência de perto e vendo o que é concreto e o que não é.
O especialista da Janus Henderson administra dois fundos especializados em tecnologia, com cerca de US$ 5 bilhões. Neste momento, ele está de olho em quais empresas vão conseguir usar a IA para gerar mais lucro.
“O que falamos com os nossos clientes é que não podemos cometer os mesmos erros da era da internet, em que todo mundo usava o Google, as redes sociais, mas não tinha uma exposição no portfólio. O que usamos no nosso dia a dia é o que irá prosperar e ser lucrativo nos anos seguintes”, afirma Clode, nesta entrevista ao NeoFeed.
No seu maior fundo, o Horizon Global Technology Leaders Fund, disponível para investimento no Brasil na plataforma do BTG Pactual, seis das chamadas “magníficas sete” ocupam um espaço privilegiado na carteira de investimentos – exceto a Tesla.
Clode tem como principal ação a Microsoft, que corresponde a 9,82% da carteira. Em seguida estão outros grandes nomes da tecnologia Alphabet (7,76%), Nvidia (7,43%), Meta (5,15%), Amazon (4,30%) e Apple (3,69%). Juntas, elas correspondem a quase 40% dos investimentos.
Mas se essas ações são as “escolhas óbvias”, Clode detalha quais são as suas principais apostas, ou seja, empresas que criarão uma infraestrutura para que a IA possa ser usada de forma massificada. Essa, para ele, será a primeira área dessa tecnologia a deslanchar.
Nesse portfólio estão papéis da Taiwan Semiconductor Manufacturing (3,37%), da Advanced Micro Devices – AMD (3,24%) e da Micron Technology (2,64%).
“Será preciso construir uma infraestrutura, principalmente em termos de escala. E é exatamente nisso que estamos focando nossos investimentos, pois esse será o primeiro ponto a andar. Para nós, será através da nuvem que essa tecnologia chegará a nós”, diz o portfólio manager da gestora britânica.
O fundo Horizon Global Technology Leaders Fund rendeu 49,74% no ano passado ante 37,3% do setor de tecnologia.
Confira os melhores trechos da entrevista ao NeoFeed:
Há um frisson em torno da inteligência artificial, mas quais são as melhores escolhas para investir?
A inteligência artificial (IA) já existe há muitos anos, com Google e Uber, por exemplo. Mas, no ano passado, vimos um momento de inflexão com a inteligência generativa, que significa a habilidade do algoritmo criar conteúdo. E isso é mesmo muito poderoso. Muitas empresas estão vendo como podem usar essa tecnologia para trazer mais produtividade. Mas, em qualquer nova tecnologia, é preciso entender como isso vai funcionar na prática. Vemos que será necessário criar uma infraestrutura. Por exemplo, com a internet foi preciso construir a tecnologia 3G, o Wi-Fi, mas tudo mudou quando vieram os smartphones, que conseguiram usar essa infraestrutura de forma a mudar completamente o modo em que vivemos.
A infraestrutura vai ser a chave de uma grande mudança na IA?
Acreditamos que a inteligência artificial pode se desenvolver bem mais rápido e estar em nossas mãos. Podemos ter milhões de pessoas usando isso muito rapidamente. Mas, antes disso, será preciso construir uma infraestrutura, principalmente em termos de escala. E é exatamente nisso que estamos focando nossos investimentos, pois esse será o primeiro ponto a andar. Para nós, será através da nuvem que essa tecnologia chegará a nós.
Mas, dentro desse segmento, como saber o que de fato será usado?
Estamos debruçados em entender quais serão os vencedores. Enquanto no segmento de infraestrutura isso está bem claro para nós, no de software e de internet não. É difícil ver quem, de fato, gerará mais receitas e lucros com essa tecnologia. Os valuations subiram muito e não se justificam. Estamos sendo muito cautelosos. Mas, na parte de infraestrutura, acreditamos que será na tecnologia de nuvem que teremos os vencedores porque toda a empresa que quiser usar essa tecnologia precisará hospedá-la em algum lugar.
Você consegue calcular um tempo para essa etapa?
A internet demorou 20 anos para ficar bem estabilizada. Mas agora tudo está acontecendo muito mais rápido, e precisamos ficar atentos. Acreditamos que todos usaremos isso nos próximos dois a três anos. O que falamos com os nossos clientes é que não podemos cometer os mesmos erros da era da internet, em que todo mundo usava o Google, redes sociais, mas não tinha uma exposição no portfólio. O que usamos no nosso dia a dia é o que irá prosperar e ser lucrativo nos anos seguintes.
Mas quais cuidados precisam ser tomados nesse momento de euforia com a tecnologia?
Na época da internet aconteceu a mesma coisa na bolha das pontocom. Todo mundo comprou tudo que tinha a ver com website. Depois, o que aconteceu foi que algumas empresas faziam aquilo bem e outras não. Muitas faliram. E é preciso ter mais cuidado ainda no mercado privado, onde os preços não são tão bem ajustados. Muitas empresas têm, no máximo, uma apresentação de Powerpoint e preços bem esticados.
“É preciso ter mais cuidado ainda no mercado privado, onde os preços não são tão bem ajustados. Muitas empresas têm, no máximo, uma apresentação de Powerpoint e preços bem esticados”
Onde você vê os maiores potenciais em IA?
Nós vemos grandes aplicações em programação. Já há evidência que haverá um aumento de produtividade de 40% com o uso de inteligência artificial. Outra área é a propaganda online, usando modelos criados para fazer campanhas e a tecnologia para fazer recomendações. Tem também a aplicação em saúde. Talvez não tenhamos a tecnologia rastreando tudo e encontrando vários medicamentos como fantasiamos, mas estamos vendo o uso de simulação para testar novas drogas. Já vimos que novas vacinas tiveram seus primeiros testes assim, o que acelerou seu processo. Hoje, esse setor é o terceiro maior consumidor dessa tecnologia, gastando bilhões para acelerar a formação de novos medicamentos.
Tudo vai passar pela IA?
De forma mais abrangente, veremos que o primeiro rascunho de qualquer coisa será feito por IA. Seja um documento de marketing, um resultado radiológico, qualquer coisa. Depois um ser humano checará e acrescentará a sua análise. E vemos muitas empresas usando esse tipo de processo. Por isso, a chave disso será ganho de produtividade.
Quais são as regiões que estão mais avançadas nesse desenvolvimento e para onde os investidores devem olhar?
Quando falamos de novas tecnologias é sempre os Estados Unidos primeiro. As empresas que começaram esse movimento são americanas. Mas a China sempre é um rápido seguidor. Porém, as novas restrições por tensões geopolíticas vão tornar esse processo mais difícil.
E para onde devemos olhar?
Eu diria que é preciso ficar mais atento a quais empresas vão conseguir se beneficiar mais desse uso pelo mundo. Nesse caso, poderemos ter coisas bem interessantes na Europa. Na América Latina, por exemplo, bancos e varejistas vão usar isso para acelerar a inclusão financeira melhorando modelos de crédito e de risco e oferecer mais crédito. E a questão será sempre quem conseguirá gerar mais lucro e não ter algo que não gera nada.
“Na América Latina, por exemplo, bancos e varejistas vão usar isso [inteligência artificial] para acelerar a inclusão financeira melhorando modelos de crédito e de risco e oferecer mais crédito”
Há uma percepção que já existe muito “AI washing” nos discursos das empresas. Como analisar quem vai conseguir tirar benefícios dessa tecnologia?
Sim, com certeza. Aqui, de novo, há muitos paralelos com o advento da internet. Só porque você usa uma tecnologia não significa que o seu negócio é um beneficiário dela. Os investidores precisam encontrar quais são os verdadeiros vencedores, e com certeza essa lista é muito, muito menor do que o que está sendo discutido hoje. Sabemos hoje que os vencedores da internet são as FAANG [acrônimo de Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google], mas havia muitas empresas que diziam que iriam se beneficiar e ficaram pelo caminho.
Todas precisam estar na carteira?
Você quer ter o máximo possível de vencedores e o mínimo possível de perdedores disso, senão não compensa. Os ganhadores desse ciclo de internet não serão necessariamente os ganhadores de IA. As “magníficas sete” (Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, Nvidia, Tesla e Meta) são uma evolução das FAANG, e não dá para dizer que elas serão as ganhadoras desse novo ciclo. Há 10 anos, a IBM tinha muito espaço no índice de tecnologia e, hoje, nós não falamos muito sobre ela. As coisas mudam e é preciso ficar atento. É preciso identificar as FAANG da era do IA.
Como vocês tem feito essa identificação?
Em 2022, compramos Nvidia porque vimos um aumento da demanda pelos modelos transformers. Essa ação subiu 200% desde então. No final do ano passado, compramos Advanced Micro Devices (AMD), que é hoje uma das nossas 10 maiores posições. Sabíamos que estavam lançando um novo chip com a ajuda da tecnologia IA que poderia gerar bilhões em receita. Um relatório do UBS disse recentemente que poderia ser de US$ 5 bilhões a US$ 8 bilhões. As ações já subiram 23% este ano. Então, estamos buscando essas empresas que conseguirão usar essa tecnologia para aumentar seu lucro. A Meta, também no nosso portfólio, é outro exemplo, com grande uso de IA no negócio de propaganda online, e isso a fez subir de 10 P/E [índice de preço sobre o lucro] para 17.
Você está analisando quanto essas empresas vão dar lucro no curto prazo. Mas, nas últimas ondas de tecnologias, o mercado não se importou muito com isso.
O Google sempre foi lucrativo, mas entendo o que você quer dizer. A Amazon não era, por exemplo. Tivemos um grande debate sobre ela no passado, mas o que se quer é ter a ação exatamente no ponto de inflexão em que ela começa a gerar lucro. O mesmo acontece com IA. Se será necessário gastar bilhões para criar a infraestrutura e treinar os modelos, demorará para você ter o seu dinheiro de volta. A questão é o custo de oportunidade disso.
“O que se quer é ter a ação exatamente no ponto de inflexão em que ela começa a gerar lucro. O mesmo acontece com IA. Se será necessário gastar bilhões para criar a infraestrutura e treinar os modelos, demorará para você ter o seu dinheiro de volta”
Isso significa que não se pode esperar muito?
Google e Apple foram lucrativos desde o seu primeiro dia. Havia um produto a ser vendido e isso era extremamente lucrativo. Há um grande risco de esperar essa promessa virar lucrativa em 10 anos, por exemplo, porque no meio do caminho outra coisa pode aparecer. Foi o que aconteceu na bolha das pontocom. Mas não acho que o mercado está indo nessa direção de novo.
Quais são os grandes riscos?
O grande risco que vejo é que em dois anos muita gente que pagou caro para usar a tecnologia da Microsoft, por exemplo, não verá nenhum incremento em produtividade. De forma que se descubram que não vale o dinheiro gasto pelo retorno obtido e, com isso, parem de pagar por essa tecnologia.
Existem outros?
Outro risco são tensões geopolíticas com o mercado de semicondutores, que está em Taiwan. Em relação à regulação, nossa leitura é que a Europa já tem um marco regulatório para ser usado, até mesmo a China tem um. Já nos EUA estamos longe de ter uma regulação. Mas acho que já temos o caminho. Então, não há muito risco.
E os riscos relativos às empresas?
As empresas aprenderam suas lições de que precisam ser mais prudentes com o uso dessas tecnologias. Não é uma coincidência que quem lançou o primeiro produto, o ChatGPT, foi a OpenAI, e não o Google, a Meta ou a Microsoft, apesar de terem a capacidade para tal. Porque essas empresas estão muito mais cautelosas e qualquer erro vindo delas poderia pôr em risco o desenvolvimento da tecnologia.
*A matéria foi atualizada às 10h40 com o dado de ativos sob gestão da Janus Henderson em 31 de dezembro de 2023.