O Rio Grande do Sul está em situação de emergência em razão da dengue. Atualmente, são 68,8 mil casos e 69 óbitos causados pela doença, conforme mostra o painel da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS). Entretanto, os dados reais podem ser bem diferentes dos números indicados no levantamento estadual. De acordo com os painéis do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde, Porto Alegre tem 542 e 561 casos registrados de dengue, respectivamente. Porém, de acordo com dados próprios da capital gaúcha, o número é bem superior, totalizando 1.526. Ou seja, um volume dois terços maior. A situação se repete nos cinco municípios com maior número de casos de dengue no Rio Grande do Sul.
Os números que constam na contabilização oficial dos painéis do órgão estadual ou federal é defasado, em média, entre 41 e 54 dias. Isso porque, na realidade, Porto Alegre possuía esses números entre 18 de fevereiro e 2 de março, sendo as semanas epidemiológicas (SE) 8 e 9.
Confira a evolução da diferença nos casos ao longo de 12 semanas:
Diferença do número de casos de dengue classificados por semanas epidemiológicas entre o painel da Secretaria Estadual de Saúde e boletins epidemiológicos de Porto Alegre. Fonte: SES/SMS
Segundo a diretora-adjunta da Vigilância em Saúde de Porto Alegre, Juliana Maciel, essa disparidade de números acontece porque a notificação de dados não possui centralização com o serviço de saúde, podendo acessar o sistema nacional e registrar o caso individual no momento do atendimento ou testagem do paciente com suspeita.
Atualmente, a dengue, assim como quaisquer outros casos contidos na Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos em Saúde Pública do Ministério da Saúde, deve ser registrada no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que é utilizado para gestão federal. Os painéis públicos do Ministério da Saúde e da SES utilizam de base esse sistema para realizarem a atualização.
Porém, conforme relatou a diretora-adjunta, Porto Alegre usa outro sistema para fazer a gestão dos casos de dengue locais e outras condições contidas na lista de notificação compulsória: o sistema Sentinela. “Alguns dos sistemas nacionais ainda não são possíveis de serem descentralizados, como é o caso do Sinan online, da dengue”, justifica.
Ela explica que o município acaba tendo uma “infinidade de fichas de notificação em papel ou encaminhadas de forma virtual, por e-mail”. As fichas, em formato padrão para todo o País, fornecidas para a equipe de reportagem, possuem pelo menos 72 campos de preenchimento. Entre eles: dados gerais, de notificação individual, de residência, dados clínicos, laboratoriais, de hospitalização, e dados clínicos para dengue com sinal de alarme e dengue grave.
Esse lançamento de dados no sistema toma muito tempo. “A dengue, por exemplo, é tempo e resposta, então todo esse processo de ação rápida fica prejudicado”, comenta Juliana. Nos casos de óbitos, porém, é conferido prioridade ao registro, sendo colocado no sistema imediatamente.
Tendo um sistema municipal, essa demora na gestão local é driblada, aponta Juliana. “No momento que ele (o estabelecimento) dá um enter, essa informação já chega para nós e, consequentemente, no caso da dengue, já chega para o laboratório municipal”, expõe. O registro dos dados no Sinan, entretanto, ainda possui morosidade. Isso porque, segundo Juliana, o ministério não disponibiliza uma forma de integrar esses dados.
Por isso, visando a dar transparência, os dados são divulgados localmente antes, pelo boletim epidemiológico periódico da Secretaria Municipal de Saúde.
Ainda segundo a gestora municipal, não há previsão para os dados da semana epidemiológica atual estarem atualizados no Sinan.
Situação dos municípios com mais casos
Os cinco municípios com maior número de casos confirmados de dengue no Estado, segundo o painel da Secretaria Estadual de Saúde, entre quinta (11) e sexta-feira (12) são: Santa Rosa (7.971), Novo Hamburgo (5.894), São Leopoldo (5.264), Tenente Portela (3.357) e Três Passos (2.492).
Santa Rosa
A cidade de Santa Rosa, segundo a diretora de gestão da atenção primária em saúde, Fabiana Breitenbach, teve de usar fichas simplificadas para registro, escaneadas e enviadas direto à vigilância sanitária para realizar a digitalização no sistema.
Santa Rosa é, segundo os painéis, a cidade que mais registra casos da doença. A diretora estima que estão no processo de digitalização de fichas do último domingo (7), até as mais atuais, sendo a maior parte delas, de quarta-feira. Somente nesta sexta-feira (12), chegaram mais 180 fichas. Ainda restam registrar no sistema 600 notificações de dengue.
Para conseguir colocar os casos em dia, foi preciso uma equipe de digitalização de até 14 pessoas. Hoje, são oito, “para a gente conseguir pelo menos estar mais perto do dia que recebemos a notificação”, explica Juliana.
Novo Hamburgo
A prefeitura de Novo Hamburgo informou que a contagem de casos na cidade está atualizada. A diferença para a situação porto-alegrense está, segundo o órgão, relacionada à “morosidade do próprio município”.
Conforme os dados de Novo Hamburgo, a cidade registrou na última quinta-feira (11), 7.001 casos, frente às 6.553 notificações mostradas no painel estadual. Há também 6.319 confirmados e 566 em investigação, frente aos 5.800 diagnosticados e 457 sendo investigados como demonstrados no painel da SES. O município relata receber uma demanda média de 100 novos casos por dia.
A enfermeira Patrícia Pires, da Vigilância Epidemiológica da Secretaria da Saúde de São Leopoldo, estima que devem ser colocados no sistema de 200 a 250 casos por dia, o que resulta em um montante acumulado.
Segundo ela, esse trabalho deve ser feito em até 72 horas. O profissional de saúde preenche a ficha, que chega em tempo real à vigilância. “Hoje há de 10 à 12 pessoas na digitação para [os dados] estarem minimamente em dia”, descreve.
São Leopoldo
São Leopoldo tem ainda 5.264 confirmados. Ainda há cerca de mil casos a serem confirmados, entre eles os positivos com teste rápido, e ainda mil casos em processo de investigação, que já estão no Sinan, mas aguardam encerramento por confirmação ou descarte.
O órgão disse não ter uma estimativa numérica de quantos casos ainda aguardam a inserção, mas espera estar com os dados atualizados somente daqui a uma semana.
De acordo com a Secretaria de Administração, Planejamento e Comunicação Social de Tenente Portela, quarta cidade com mais casos no Estado, o município enfrenta uma incidência bem menor de casos. São duas pessoas encarregadas do preenchimento das fichas. A cidade chegou a ter 200, 300 ou 400 casos de divergência. Atualmente, são 136 casos inconclusivos no município.
Três Passos
Já a Vigilância Epidemiológica em Saúde de Três Passos disse não possuir uma estimativa numérica de quantos casos ainda devem ser inseridos, mas espera estar com os números atualizados somente daqui a uma semana.
O que diz o Ministério da Saúde e a SES
O Ministério da Saúde especificou que os dados de Porto Alegre são enviados, por fora do Sinan, ao Estado e, posteriormente, ao órgão federal. Além disso, relatou que não há morosidade por parte do órgão. Porém, não se manifestou, até o momento, acerca da diferença de números nos municípios gaúchos e o efeito sobre o direcionamento de insumos, recursos e demais repasses.
Por outro lado, a Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul especificou que os dados apresentados no painel da SES são extraídos de sistemas oficiais do Ministério da Saúde. Estes são pontos de inserção indicados pelo próprio órgão federal para informações. A SES utiliza dos dados do Ministério para o painel do Estado.