No início deste mês, a deputada federal Maria do Rosário (PT) anunciou sua pré-candidatura à prefeitura de Porto Alegre. Com o apoio de movimentos sociais, lideranças comunitárias e partidos de esquerda, ela busca ser a primeira mulher eleita para o cargo. Seu objetivo é também reacender o protagonismo de que o campo progressista desfrutou em décadas anteriores – Porto Alegre, vale lembrar, é a única capital brasileira governada pelo PT por quatro mandatos consecutivos, durante os anos 80 e 2000.
A deputada terá como principal rival o prefeito Sebastião Melo (MDB). Também neste mês, cercado por bolsonaristas e líderes de entidades de classe, Melo reafirmou seu desejo de reeleição e elogiou um modelo de cidade “inovadora” e “aberta a investimentos” – mas cujo resultado têm sido a precarização de serviços públicos e o aumento da desigualdade, sobretudo entre a população de regiões periféricas e segmentos vulneráveis. O exemplo mais cabal do problema ocorreu na última sexta-feira 26, quando um incêndio deixou dez mortos em um imóvel irregular. O prédio, que não possuía plano adequado de prevenção e proteção contra incêndios, recebia repasses mensais do governo de mais de 200 mil reais para abrigar pessoas em situação de rua.
Distante da época do orçamento participativo e do Fórum Social Mundial, o PT busca atrair principalmente jovens eleitores com propostas como tarifa zero no transporte, corredores verdes e investimentos culturais. A vitória de Lula sobre Jair Bolsonaro por 53,5% a 46,5% no segundo turno em Porto Alegre sinalizou uma possível margem de crescimento para a candidatura de Maria do Rosário. No entanto, as pesquisas mais recentes indicam um favoritismo para a reeleição do atual prefeito. Conforme advertiu o cientista político Carlos Borenstein em um artigo recente, a tentativa do PT de nacionalizar a eleição local pode ter um impacto limitado. “O foco principal dos eleitores não será os governos de Lula ou do governador Leite, mas sim a administração de Melo.”
Melo, que prefere evitar debates de cunho ideológico, conta com diversos trunfos: a forte presença dos conservadores nas redes sociais, a alta rejeição a parte do eleitorado ao PT (e, mais especificamente, a Rosário), além de uma sólida aliança com pastores ligados à sua base. Apesar de sua intenção declarada de manter um tom mais moderado nos debates, a realidade do confronto promete ser intensa.
Desigualdade e especulação imobiliária
Dois estudos recentes mostram que, nos últimos anos, Porto Alegre se tornou a capital mais desigual da região Sul e também a mais segregada racialmente do País. “Isso é resultado do liberalismo radical adotado pelas últimas gestões”, critica o deputado estadual Matheus Gomes, do PSOL, o mais votado da cidade em 2022. Seu partido escolheu a sindicalista e ativista do movimento negro Tamyres Filgueira para compor a chapa com Rosário. As políticas de terceirização na saúde e educação, o enfraquecimento da rede de assistência social em contraste com o aumento da demanda, e a privatização do transporte público, cujas tarifas superam as do Rio de Janeiro e São Paulo, são citadas pelo parlamentar como causas desse quadro. A falta de vagas no ensino infantil é estimada em pelo menos seis mil matrículas, enquanto a fila para atendimento no SUS é a maior já registrada, refletindo-se em postos de saúde lotados e equipes médicas exauridas.
O PT busca atrair principalmente jovens eleitores. Já Melo conta com a eficiência dos bolsonaristas nas redes e o apoio de pastores
Milena Carvalho, pedagoga que vive na Lomba do Pinheiro, na zona norte da capital gaúcha, experimenta muitos desses problemas em seu dia a dia. “Os bairros periféricos são sempre esquecidos, as melhorias ficam nos bairros nobres. Com qualquer chuva falta luz e, quando faz calor, falta água. Não temos praças ou espaços de lazer e muitas ruas esperam por asfalto há anos. Os ônibus são velhos e as passagens, caras. Os terrenos onde a prefeitura poderia construir creches são utilizados para erguer condomínios”, critica.
A livre atuação de construtoras têm provocado mudanças significativas no perfil socioeconômico de várias áreas, além de profundas alterações ambientais – Quilombos e reservas naturais estão entre as áreas mais visadas. Curiosamente, empresários do setor imobiliário estão entre os principais financiadores da última campanha do prefeito Sebastião Melo.
“Vende-se tudo que é possível, favorecendo grandes investidores e grupos aliados em detrimento das necessidades reais da população”, avalia a estudante de arquitetura da UFRGS Eduarda Bittencourt. Ela menciona exemplos preocupantes, como o Quarto Distrito e a Fazenda do Arado, uma antiga zona de preservação ambiental agora liberada para um grande projeto imobiliário, e o Parque Harmonia, onde centenas de árvores nativas foram derrubadas para dar lugar a um parque temático privado. “Muitas vezes, isso resulta na migração forçada da população devido ao aumento do custo de vida.”
Para os apoiadores das políticas da atual administração, esta fase é vista como um momento de desenvolvimento e oportunidades, sustentada por uma ampla coalizão de 14 partidos que têm garantido a aprovação sem entraves da agenda do executivo na Câmara de Vereadores desde 2021. “Estamos nos preparando para o futuro e impulsionando o empreendedorismo. Concedemos alvarás rapidamente, garantindo a segurança jurídica dos projetos, e diminuímos os impostos em 52 atividades, o que facilitou o retorno de empresas para a cidade”, defende o vereador e líder do governo, Idenir Cecchim (MDB). “O prefeito Melo é sempre presente, visita os locais quando necessário, mesmo que seja para justificar as limitações e admitir que não podemos atender a todos.”
Entretanto, esse otimismo contrasta com as tensões e os desafios. O tesouro municipal fechou 2023 com 243 milhões de reais em caixa, um indicativo de saúde financeira que não necessariamente reflete a qualidade dos serviços públicos.
Além dos desafios urbanos, a cidade enfrentou em 2023 a pior enchente em quase um século, com as águas do Rio Guaíba invadindo ruas e causando estragos generalizados. Outro tema sensível é o escândalo de corrupção na educação, revelado após a deterioração de livros e equipamentos pedagógicos. O caso culminou com a prisão da ex-secretária de Educação Sônia Rosa, acusada de envolvimento nas irregularidades.