Dois quilômetros. Essa é a altura esperada para a futura torre saudita que Foster + Partners está projetando. Com o dobro da altura do atual recordista – Burj Khalifa de Dubai -, o edifício multibilionário coroará o céu da cidade de Riad abrigando escritórios, residências e espaços de entretenimento. O projeto faz parte de um programa de desenvolvimento pelo qual a Arábia Saudita está passando, liderado pela visão do príncipe herdeiro Mohammad bin Salman de marcar o país com escala e ambição por meio de uma série de empreendimentos gigantes. Dentro desse plano de ação, as torres super altas destacam-se como símbolos de visibilidade e fama global, mas também como alvos de críticas pelos seus excessos, tais quais os custos de construção astronômicos e a falta de preocupação ambiental.
Nesse contexto, é possível entender a atração pelos edifícios super altos como um intenso desejo político de reconhecimento mundial, mas não só. Há também a necessidade de atrair investimentos estrangeiros, a otimização dos terrenos urbanos e a busca por lucros exorbitantes. No entanto, além dos objetivos práticos, a escolha das torres super altas como imagem de um lugar ou país também pode ser abordada sob uma ótica psíquica.
Em 1936 Le Corbusier visita os EUA e é arrebatado por Nova York e sua “Manhattan ereta”, uma cidade que representa a humanidade “com as pernas fortalecidas, o peito dilatado, ansiosa por ação, cheia de uma grande confiança”. Encantado pela virilidade da cidade Le Corbusier reforça o vínculo entre os arranha-céus e a supremacia, uma correlação culturalmente intrínseca.
Artigo Relacionado
Rem Koolhaas sobre o fenômeno dos arranha-céus e o potencial dos Emirados de reinventar a urbanização
Se na época era espantoso, hoje, com as torres atingindo quilômetros de altura, essa imponência se torna ainda mais proeminente, sendo cada vez mais difícil imaginar um tempo em que a altura dos edifícios era limitada pelos músculos das pernas dos seus habitantes. A invenção do elevador, em 1853, definitivamente trouxe uma evolução tecnológica que mudou a escala das estruturas e nos afastou da referência humana, dando início a um contínuo desenvolvimento tecnológico a serviço das construções cada vez mais altas.
À medida que tecnologia avança, a arquitetura também cresce, literalmente, sendo compreendida como ícone de um povo, indicando sua criatividade, ousadia e inovação. O Empire State Building, que foi concluído em 1931, e permaneceu como o terceiro arranha-céu mais alto do mundo até 1998, agora ocupa o 53º lugar e o sexto em sua própria cidade. A profusão de edificações altas corta os céus de todo o mundo, de Balneário Camboriú no Brasil, a Kuala Lumpur na Malásia. Nesse sentido, o arquiteto e estudioso do assunto Stefan Al, aponta para “uma convergência de duas tendências: a aceleração do progresso tecnológico e as novas preferências sociais” como os motores desta era de ouro dos edifícios super altos. A tecnologia está permitindo que arquitetos e engenheiros estabeleçam metas cada vez mais altas. Os empreendimentos específicos incluem, por exemplo, concreto cada vez mais forte e mais leve, sensores inteligentes para controlar melhor a ventilação e a luz, e a fabricação assistida por máquinas que ajuda na criação de formas curvilíneas mais sofisticadas para reduzir as cargas de vento.
No entanto, parece haver muito chão (ou céu) a ser percorrido no sentido estrutural e tecnológico. Apesar da inegável evolução vista nessas arquiteturas, menos de uma década depois de uma série de torres de condomínios atingirem novos patamares em Nova Iorque, os primeiros relatos de defeitos e reclamações começam a surgir. Um exemplo emblemático é o edifício 432 Park Avenue e seus problemas estruturais por conta da altura. O brevemente edifício mais alto do mundo representou o boom dos condomínios de luxo em Nova York há alguns anos, alimentado em grande parte por compradores estrangeiros que buscavam discrição e grandes retornos. No entanto, muitos moradores têm apresentando reivindicações que incluem milhões de dólares em danos causados pelas infiltrações devido a problemas mecânicos e de encanamento, mau funcionamento frequente do elevador e paredes que rangem “como a cozinha de um navio”. Muitos dos vazamentos parecem ter surgido dos pavimentos mecânicos, outra grande polêmica envolvendo o edifício por conta da acusação de serem artificialmente mais altos servindo apenas para elevar a vista dos apartamentos já que não contam no índice construtivo.
Assim como o 432 Park Avenue, outros edifícios super altos também fazem malabarismos para ganhar altura e acumular títulos. A Central Park Tower, por exemplo, embora reivindique o título de edifício residencial mais alto do mundo, há quem diga que o edifício possui um quinto da sua altura desocupada. Dos 131 andares, apenas 98 são residenciais, criando andares vazios por causa do título, mas também para valorizar ainda mais seus apartamentos do topo. A motivação para construir mais alto é óbvia: vistas panorâmicas para os residentes e lucros substanciais para os promotores. Há algum tempo, um apartamento no 95º andar no 432 Park Avenue foi vendido por US$ 30,7 milhões, cerca de US$ 7.592 o pé quadrado. No mesmo mês, uma unidade na metade do prédio foi vendida por US$ 4.216 o pé quadrado.
Essa diferença de valores fundamenta ainda mais o fascínio pelas torres super altas, não apenas sua imponência vista desde o ângulo do pedestre, sua imagem desproporcional rasgando o skyline em uma publicação midiática, mas também a sensação de superioridade ao atingir o topo, ao viver nele.
A repórter Bianca Bosker visitou o 432 Park Avenue para escrever sobre essa relação mítica que envolve os edifícios super altos. A sua experiência é marcada pela chegada ao apartamento do 79° andar. Ela relata um estado de suspensão instaurado imediatamente, a sensação de estar alheia a cidade, pairando sobre o ar, no silêncio absoluto onde as buzinas, os motores, tudo desaparece nas nuvens. A corretora que a acompanhava já tinha o discurso de venda pronto: “não há absolutamente nada que incomode sua mente neste apartamento, você pega uma pessoa que tem um trabalho de alta pressão que fica enlouquecida o dia todo – ela vem aqui e sente uma calma que tranquiliza todo o seu corpo.”
O privilégio do silêncio, de estar na cidade, mas ao mesmo tempo alheio sobre ela, é somado à vista infinita do horizonte, algo que remete a outro fascínio humano, esse investimento emocional no horizonte, no olhar a cidade desde uma grande altura, ao qual ninguém pode estar imune. Uma imagem incrivelmente poderosa, seja de admiração ou terror da grande altura. Um enquadramento exclusivo e não mais de vocação pública como os primeiros arranha-céus de Manhattan nos anos 30, vide o Empire State Building que oferece um observatório público e compartilha com a cidade a sua vista impressionante.
Em meio a todas essas nuances que rodeiam os edifícios super altos, muitos arquitetos famosos estão se rendendo aos projetos em super altura, não apenas Foster + Partners, mas também Zaha Hadid Architects, BIG, Jean Nouvel, Adjaye Associates, Henning Larsen, etc., muito provavelmente instigados pelo desafio de criar arranha-céus eficientes no âmbito estrutural, tecnológico, ambiental e social, mas também, quem sabe, vencidos pelo ego.