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Túnel Santos-Guarujá é discutido há 100 anos

Túnel Santos-Guarujá é discutido há 100 anos


A ligação direta entre as cidades de Santos e Guarujá, no litoral paulista, finalmente deverá sair do papel, resolvendo um gargalo histórico de mobilidade. Após quase 100 anos de vai e vem, o projeto de um túnel submerso com quase 1 km de extensão foi aprovado pelos governos Federal e de São Paulo, que assinaram, no início de fevereiro, um termo de cooperação técnica e financeira para a execução das obras.

Inserida no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a obra é estimada em R$ 5,8 bilhões e será custeada com recursos dos orçamentos da União e do Estado de São Paulo – cada um arcando com 50% do valor. O principal objetivo do empreendimento é melhorar o fluxo de pedestres e de veículos particulares e de carga que transitam entre Santos e Guarujá, com reflexos em pelo menos nove municípios da Baixada Santista, beneficiando cerca dois milhões de pessoas.

Separadas pelo canal do estuário – entre o bairro de Macuco, em Santos, e o distrito de Vicente de Carvalho, no Guarujá –, as duas cidades serão interligadas por um túnel de 860 m de extensão entre as margens (incluindo embocaduras), dos quais 761m serão submersos – uma estrutura enterrada embaixo do canal do Porto de Santos, a uma profundidade de 21 m, de forma a não comprometer o tráfego de navios no local.

De acordo com a Autoridade Portuária de Santos, empresa pública federal responsável pela gestão do Porto de Santos, um dos principais benefícios da obra é a redução do tempo na viagem entre as duas cidades. Com o túnel, a travessia deve ser feita em menos de dois minutos, um ganho significativo em relação ao trajeto de uma hora para percorrer 43 km por estrada que separam as duas cidades.

Outra opção existente é a balsa, que opera de 15 em 15 minutos e tem capacidade para 872 veículos por hora. Contudo, por conta da movimentação do Porto de Santos – são 35 navios por dia – a média de espera pode variar entre 20 e 60 minutos, uma vez que o serviço é interrompido quando os navios passam. Esse tempo perdido de espera tende a aumentar, considerando o movimento crescente do porto e na região.

Segundo dados históricos emitidos pela Dersa, o sistema de balsas em operação transporta diariamente mais de 30 mil veículos, entre caminhões leves, automóveis, motocicletas e bicicletas, com picos de 100 mil em determinados fins de semana e feriados prolongados. Da mesma forma, circulam pela Rodovia da Piaçaguera pelo menos 10 mil caminhões pesados que acessam o porto na margem esquerda. A estimativa é que 20% deles são oriundos da margem direita do porto.

Além disso, a atividade portuária na região, cuja movimentação de cargas cresceu de pouco menos de 90 milhões de toneladas para cerca de 135 milhões nos últimos 20 anos, é outro fator de impacto à mobilidade. Por fim, há de se obter uma solução definitiva para o problema, como aponta o engenheiro Álvaro Luiz Dias de Oliveira, presidente da Delegacia Sindical do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP) na Baixada Santista.

“É fato insofismável o crescente aumento dos custos de manutenção e também aqueles operacionais (combustíveis, pessoal etc.) das antigas balsas, bem como seriam proibitivos os custos de aquisições de novas balsas, devido à pouca possibilidade de amortização dos investimentos num prazo razoável. Assim sendo, a construção de uma nova ligação seca é a solução definitiva, desde que contemple caminhões de cargas, veículos de passeio, faixas exclusivas para ciclistas e pedestres, além de trilhos para o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), propiciando uma autêntica política de integração porto-cidades”, destaca Oliveira em artigo para o portal do SEESP.

“Durante a fase de obras as externalidades são patentes, como a geração de empregos diretos e o efeito renda em toda região. Quanto aos impactos na operação portuária, no canal e nas atividades logísticas terrestres, os momentos de paralisação e obstrução deverão ser bem organizados entre a empresa construtora e as atividades do entorno, para que se minimize as perdas operacionais e não prolongue demais o cronograma das obras”, acrescenta o engenheiro naval Casemiro Tércio Carvalho, sócio da 4Infra e porta-voz do Movimento Vou de Túnel.

Prestes Maia pensou no túnel em 1940

Desde 1927, discute-se uma forma de ligação entre as cidades que não seja pelo mar ou alongando o traçado por terra como é hoje. Naquele ano, apontava o SEESP, foram apresentados os primeiros estudos para a construção de um túnel escavado para a passagem do bonde elétrico.

Posteriormente, nos anos 1940, o engenheiro Francisco Prestes Maia elaborou o Plano Regional de Santos para modernizar o porto e desenvolver a região, incluindo obras de mobilidade que tinham o túnel como opção, ideia que acabou não avançando. Em 1948 apareceu uma proposta para se construir uma ponte levadiça, ideia que também acabou engavetada.

Em 1970, o governo estadual novamente discute uma alternativa para se construir uma ponte com acesso helicoidal, mantendo o gabarito para a passagem de navios para o Porto de Santos. Proposta que não avançou, assim como a ponte estaiada proposta em 2010 também pelo governo paulista. Segundo os especialistas, independente do modelo, ponte não é uma opção viável, por conta da limitação de altura para a passagem dos navios de grande porte para o Porto de Santos.

Agora as autoridades acreditam que o projeto de ligação finalmente avance, com a solução do túnel, que parece ser consenso entre engenheiros, técnicos e especialistas em mobilidade urbana. “Mundialmente, túneis são a principal forma de ligação seca entre margens em ambiente portuário, sendo mais seguros na transposição de canais de navegação, pois não estão sujeitos às interferências como o tráfego de ferry boats. Além disso, não entram em conflito com a operação de manobras de navios no ambiente portuário”, afirma Carvalho.

Mais ágil, a conexão via túnel será também econômica e ambientalmente mais sustentável, apontam os especialistas. “A conexão será muito mais rápida que a travessia por balsas, trará economias reais em tempo e consumo de combustíveis. Além que proporcionar um aumento na atividade econômica não só entre os dois municípios adjacentes, mas extrapolando para os demais da região”, salienta.

Considerando que sejam respeitados todos os aspectos ambientais – tanto na fase de construção quanto na de serviço, incluindo o descarte e deposição final do material escavado, controle de ruídos e de vibrações e mitigação dos impactos à fauna marinha – quanto os sociais, que possam envolver eventuais desapropriações e outros impactos nas comunidades próximas às obras, o empreendimento deve ser um marco para a região, como destaca Oliveira, do SEESP.

“Os impactos da obra deverão ser bastante positivos, já que a diminuição do trajeto entre as duas cidades certamente reduzirá a emissão de gases poluentes, contribuindo para a qualidade de vida das populações locais e, como os pedestres e ciclistas ganhariam uma área segregada dos veículos, sem o risco de respirarem gases, seria a solução perfeita sob o ponto de vista ambiental.”

“Importante destacar que a última versão do projeto eliminou as interferências em um bairro de Santos, ligando o túnel diretamente na avenida perimetral, tornando o projeto já licenciado pela Cetesb com menos impactos ainda”, adiciona Carvalho. “Óbvio que toda intervenção de engenharia causa um impacto momentâneo no ambiente físico e no bioma do canal, mas eles são irrelevantes considerando os benefícios ambientais, como redução de emissões do transporte e na qualidade de vida dos munícipes da baixada e que por ali passam”, assinala.

Carvalho destaca, ainda, que a obra ajudará a melhorar a dinâmica urbana da região e trará impactos positivos para a economia nacional, por conta de o porto ser o maior do País. “O principal impacto é de natureza regional, melhorando a qualidade de vida das pessoas quanto ao tempo e custo de translado, além das transações econômicas entres os municípios. O porto se beneficia pelo que denominamos a relação porto-cidade, pois as manobras dos navios num ambiente portuário é a principal causa de redução da velocidade dos serviços de ferries. Isso ocorre por uma questão de segurança da navegação instituída por recomendações internacionais, que se materializa no Brasil pelas Normas da Autoridade Marítima (Normam).”

O método do túnel submerso

De acordo com a última versão do projeto, o túnel terá três faixas de rodagem no sentido do Guarujá, três em direção de Santos, ciclovia e passagem urbana, além de espaço para o VLT, que será adotado em uma fase posterior. Os planos preveem a cobrança de tarifa para veículos, a ser definida. “Com a passagem das linhas do VLT, completa-se a integração cidade-porto-cidade, trazendo agilidade e maior conforto aos usuários, bem como mais um item turístico à região”, acredita Oliveira. Hoje o valor do pedágio da Rodovia Domenico Rangoni para automóveis é de R$ 14,20 e o serviço da balsa custa R$ 12,30.

A técnica que será utilizada na construção é chamada de túnel imerso. Nela, são feitas estruturas pré-moldadas de concreto em uma doca seca e transportados por flutuadores para imersão, encaixe e fixação da estrutura no leito do canal, que também terá a profundidade ampliada. De acordo com o diretor da 4Infra, são cinco grandes frentes para implantação.

Na primeira, é feita a construção do dique seco, que ocorrerá na margem esquerda, no Guarujá. Ao fim da sua utilização como , ele mesmo será o emboque do acesso daquela margem. Depois, haverá o lançamento dos módulos, da margem direita para a esquerda. Nesse momento, o emboque na margem direita precisa estar pronto para recepcionar a sequência de lançamentos. Em seguida, há a segunda campanha de lançamento finalizando a estrutura imersa do túnel. A quarta frente inclui as obras de acesso em ambos os lados se conectando com os tecidos urbanos e a avenida perimetral. Por fim, na quinta frente, há a instalação dos sistemas de ventilação, bombeamento, iluminação, segurança e gestão do túnel.

Existem alguns desafios na obra do túnel Santos-Guarujá, “todos transponíveis pela aplicação da boa engenharia”, como diz Carvalho. “O primeiro desafio é a instalação da doca seca onde serão construídos os módulos em estrutura de concreto armado e selados em cada extremidade por placas de aço, permitindo a sua posterior flutuação até os locais de lançamento. O solo no estuário do porto de Santos é de perfil mole, o que exige a instalação de paredes de alta resistência para sustentação, e isso ocorrerá em ambas as margens nos emboques e acessos do túnel.”

Ele destaca outros pontos a serem observados. “Desafio importante também é a dragagem na seção onde serão lançados os módulos, que deve ocorrer em alinhamento com tal lançamento e que para a execução dessa atividade serão utilizados embarcações especiais de empresas estrangeiras. Outro obstáculo é executar uma obra dessa magnitude concomitante às operações portuárias, seja com as manobras dos navios no canal, seja na obstrução ou paralisação temporária nos acessos terrestres. Muito importante o alinhamento nos planos de ataque da obra com a Autoridade Portuária, terminais e armadores para que tudo saia como previsto.”

Apesar de túneis imersos ser uma novidade para a engenharia nacional, esse tipo de obra é relativamente comum em outros países. “Ela é uma ótima oportunidade para a nossa engenharia aprender e se apropriar das experiências internacionais, como a ligação por túnel submerso em São Francisco e outros tantos na Europa e na Ásia, que se utilizam das mesmas técnicas de construção, principalmente em ambientes portuários. Recentemente, uma delegação brasileira foi visitar as obras do MaasDelta Tunnel, na Holanda, de complexidade similar.    Importante ressaltar que lá existe uma política pública proativa para substituição de pontes por túneis, entendendo que a atividade portuária é estratégica para o país. Esse é uma bom paralelo aplicável a Santos, por onde passa cerca de um terço da balança comercial do Brasil”, frisa Carvalho.



Fonte: O Empreiteiro

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